Solidão vs Isolamento

Esta semana foi uma atípica no Convento. Alguns irmãos saíram para descansar, outros foram em pregação e os noviços estão em experiência comunitária e a comunidade ficou reduzida. 

Comemos frente-a-frente e gozamos de uma tranquilidade e de um clima fraterno calmo, com recreios mais amplos e demorados, onde falamos, trocamos impressões e falamos da vida, pois o facto de estarmos menos favorece uma conversa mais abrangente. 

Para mim, para além de algumas tarefas comunitárias, tenho tirado e reservado algum tempo para a reflexão, avaliação deste ano lectivo e para a leitura de obras que, com o reboliço do ano académico, não tive tempo de ler. 

Hoje, terminei a leitura de um livro, que já aqui mencionei (Solidão, de Miguel Unamuno). Li, e adicionei à minha lista de recorrentes.

Quando comecei o Estudantado, fomos alertados de que Solidão não é o mesmo que Isolamento. De facto, a vida dominicana constrói-se na cela do frade: é nela que estudamos, rezamos e descansamos! É como que um 'Santuário', onde o frade vive no silêncio (quando não ouve música, que também faz parte) e na solidão, mas nunca no isolamento. 

Então, com base neste livro, fiz um tempo de 'retiro' onde meditei sobre esta realidade do silêncio e da solidão. Aqui deixo um pequeno extracto da obra referida:

«E se desenvolves esta esplêndida perspectiva de uma vida nova e de uma idade gloriosa do espírito, podes ter a certeza que a maioria dos que te ouvem escandalizar-se-ão dizendo-te que isso seria um inferno e tremerão só de pensar que se lhes pudesse ver a alma a nu. Mas acontece que não seriam capazes de imaginar o que seria uma sociedade em que todas as almas, e não apenas a sua, andassem nuas, e se se escandalizassem é porque não têm em consideração a mudança profunda que isto traria à sociedade.
Cada um de nós acredita que tem o espírito corcunda ou com cicatrizes e manchas, teme que se lho dispam. Mas se todos nos despíssemos e víssemos o que temos corcunda e com cicatrizes e manchas, desapareceria o temor».

A imagem do despir não é nova na vida da Igreja. Nós, frades, quando entramos na Ordem, dentro da celebração da Tomada de Hábito, somos convidados a despir o Homem velho e a revestir o homem novo, à Imagem de Cristo e segundo o apelo de São Paulo. É uma imagem bonita.


Fr. Sylvain OP, impõe o hábito dominicano a um Irmão Cooperador
As fontes dominicanas afirmam que, em quarta-feira de Cinzas e ao canto da antífona «Immutemur Habitu» (Troquemos de Hábito), muitos noviços se revestiam do hábito dominicano. É um sinal, claro está, mas uma sinal com sentido, pois somos convidados a mudar a vida toda e para sempre. Somos convidados, a despir tudo o que é exterior e a apresentar ao Senhor tudo aquilo que somos, na mais profunda e incrível nudez.

É, sem dúvida, um convite a despir o espírito, a não ter medo de mostrar as cicatrizes que marcaram o nosso percurso de vida, o nosso caminho, nem sempre plano, muitas vezes pedregoso, com altos e baixos e com espinhos. As cicatrizes marcam, mas são elas que nos dão a vida, o ser, o entendimento dos erros e o esforço para que não suceda igual.

Ou, se quisermos, numa linguagem sapiencial, é «Pois é ele quem abre a ferida, mas ele mesmo a trata; ele fere, mas com suas próprias mãos pode curar» (Job 5, 18).

Que não tenhamos medo ou vergonha de despir o nosso espírito...

Pax Christi!

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