O silêncio do deserto


«Apesar de tudo, decidi trazê-la para mim; 
eis que vou levá-la para o deserto 
e lá, a sós, falarei ao seu coração».
Oseias 2, 14

O ano que passou foi um ano cheio de coisas complexas: entre a azáfama dos exames, a vida comunitária, as actividades pastorais. Por fim, os exames terminaram (e fui bem sucedido!) e mais um ano terminou, um mestrado integrado que terminou, as 'férias' chegaram. 

Com elas chegou, também, o fim de uma etapa e é altura de preparar a etapa seguinte. As nossas constituições prevêm que, antes de uma profissão simples ou solene, aquele que vai professar faça um retiro de cinco dias, onde medite sobre os anos que passaram e sobre a nova etapa que vai inaugurar. 

Deste modo, realizei o meu retiro em ordem à profissão na semana passada, no Mosteiro de Singeverga, com os monges da Ordem de São Bento. Foram cinco dias completos, cheios de tudo: de oração, de contemplação, de passeios pelo bosque do mosteiro, de reflexão pessoal e de paz. 

Ao longo desses dias, para além da leitura, meditação e oração com a Palavra de Deus, fiz-me acompanhar de alguns livros que têm que ver com a vida dominicana. Como o tempo era de qualidade, aproveitei para ir às fontes da espiritualidade da nossa Ordem: «O Ideal Dominicano», «Espiritualidade Dominicana», «Ao tempo do ritmo dos monges», «O Baptismo» e um livro que me foi recomendado, intitulado «Le Père Maitre de Novices et de les frères etudiants dans l'Ordre de Precheurs», do Padre Langlais. De todos estes, apenas ficou por ler o livro de Anselm Grün, sobre o Baptismo. 

No fim do retiro, fui convidado a escrever uma oração que transcrevo para aqui e que é um 'relatório' do retiro: 

«O silêncio que me envolve é um meio termo entre o silêncio habitado pelos homens e o silêncio que Tu habitas. Aqui, ainda que habitem os homens, és Tu quem habitas no silêncio deste espaço. 

E eu penso: "O que me trouxe aqui?" Foi, sem dúvida, a busca do silêncio em que Tu falas e, assim, eu posso entender o que queres de mim. E vou até ao cimo de uma colina, na qual há um pequeno banco de pedra. Daqui oiço tudo o que me rodeia e oiço-me a mim mesmo. Mas onde está a Tua voz? 

Eis que me sento aqui, neste banco tosco de granito, olhando os imensos campos que rodeiam este lugar. Oiço os pássaros, oiço a água, oiço a água que corre, oiço o vento, oiço aqueles que levantam as enchadas e as cravam na terra. Mas, onde está a Tua voz? 

Abro a Bíblia, escolho uma passagem, leio, medito, espero... '
E depois do fogo houve o murmúrio de uma brisa suave. 
Quando Elias ouviu, puxou a capa para cobrir o rosto, saiu e ficou à entrada da caverna (

1 Reis 19,12-13)'. 





E penso para comigo: 'Mas Tu já não me falaste?' Não eras Tu que me falavas quando me dizias: 





«Sê perfeito como é perfeito o teu Pai que está nos céus»


«A
os santificados em Cristo Jesus e chamados para serem santos»
«Depois, vem e segue-me!»
«Deixa a Tua terra, a casa de teu pai e vai para onde te indicar»
«Quem puser as mãos ao arado e olhar para trás não pode ser meu discípulo»

Não eras Tu quem me falava? 

E eis-me aqui! De lápis e papel na não à espera que me dites o que queres que eu faça, mas nada mais me dizes a não ser o silêncio da Tua paz. Sim, esse silêncio sonoro, essa bela harmonia, esse raio de luz, essa brisa suave. És Tu, Senhor, que me falas no silêncio da Tua paz.

[...]

Sim, posso ter angústias, medos, inseguranças sobre o passo que vou dar, mas conforta-me a paz e a tranquilidade que o Teu silêncio me dá. [...] Essa paz que me faz caminhar para Ti, não ao Teu ritmo, já que sou um fraco atleta, mas Tu deixas-me caminhar ao meu ritmo, dando-me paz e confiança para que eu avance no caminho.

[...]

E o que me resta agora? Uma vida na Tua paz!»

É no deserto, na paragem dos ritmos do dia-a-dia, na calmaria de um mosteiro (por exemplo!) que Deus nos fala ao coração, não com palavras ou com grandes feitos, mas de uma maneira tão sublime que nos dá força e paz. 

Termino, por fim, com as palavras de Teresa de Ávila, em espanhol, que geralmente só se conhece as primeiras frases: 


Nada te turbe,
nada te espante;
todo se pasa, Dios no se muda;
la paciencia todo lo alcanza.

Quien a Dios tiene, nada le falta.
Sólo Dios basta.

Eleva el pensamiento,
al cielo sube,
por nada te acongojes.

Nada te turbe;
a Jesucristo sigue
con pecho grande,
y venga lo que venga
nada te espante.

¿Ves la gloria del mundo…?
es gloria vana,
nada tiene de estable,
todo se pasa.

Aspira a lo celeste
que siempre dura;
fiel y rico en promesas,
Dios no se muda.

Ámale cual merece
bondad inmensa.
pero… no hay amor fino
sin la paciencia.

Confianza y fe viva
mantenga el alma,
que quien cree y espera
todo lo alcanza.

Del infierno acosado
aunque se viere,
burlará sus furores
quien a Dios tiene.

Vénganle desamparos,
cruces, desgracias,
siendo Dios tu tesoro,
nada le falta.

Id,  pues, bienes del mundo,
id, dichas vanas,
aunque todo lo pierda
solo Dios basta.

Pax Christi!

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