Voltar atrás
Jesus, tomando a palavra, disse:
«Não foram dez os que ficaram curados?
Onde estão os outros nove?
Não se encontrou quem voltasse
para dar glória a Deus senão este estrangeiro?».
E disse ao homem:
«Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».
A virtude da gratidão é uma virtude que nos devia assistir em toda a nossa vida de cristãos. O agradecimento é sempre a disposição do coração para acolher a graça que Deus vai operando nas nossas próprias vidas e, ao aceitá-la, estamos a amar a Deus.
João Crisóstomo, nas Homilias sobre São Mateus, afirma a respeito da esmola: «Quando te derem esmola, guarda-a e recorda aquele quem ta deu. Eis o melhor agradecimento». A recordação é "voltar atrás", é perceber o bem que nos é feito.
As leituras que a Igreja nos propõe para nossa meditação falam-nos precisamente desta recordação do bem que nos é feito, seja o sírio Naamã, seja o samaritano do Evangelho. São estes dois estrangeiros que voltam para agradecer e para dar graças a Deus. Estou convencido que, pior que a lepra do corpo, é a lepra do coração.
No Evangelho, aqueles que se apresentam diante de Jesus, conservando-se à distância, porque assim exigia a Lei, não pedem que Jesus os cure, mas apenas que tenha compaixão deles. Compaixão, etimologicamente, significa «Sofrer com». Noutras traduções deste mesmo episódio, aparece a palavra misericórdia que, segundo Santo Agostinho, se pode decompor em três vocábulos «miseris», «cor» e «dare» e que podemos traduzir como «dar o coração àqueles que são vítimas da miséria». Assim o fez Jesus ao curá-los.
Jesus coloca-se junto dos que são vítimas da miséria, seja uma doença (lepra), sejam problemas espirituais, sejam questões sociais (pobreza, por exemplo). É junto destes que o coração de Jesus está. E o nosso coração, onde está? Onde estão os nossos cuidados? Para onde se dirige o nosso olhar?
Depois, por um lado, podemos reflectir na virtude do agradecimento, da nossa virtude do agradecimento. Quando alguém nos dá alguma coisa ou nos faz bem, é a palavra «Obrigado» que empregamos mas, talvez, apenas por boa educação, por questões culturais, porque está mandado e nem sempre somos capazes de agradecer com o coração. Agradecer com o coração é este «voltar atrás», é a recordação do bem que nos fizeram. Não há coração mais agradecido do que aquele que é reconhecido pelo bem que lhe fazem.
Por outro lado, devemos pensar como anda a nossa fé e como anda a nossa vida de fé. Qual a nossa relação com Deus? Como é que me relaciono com ele? Muitas vezes, a nossa fé insere-se na lógica do supermercado ou, como ainda ontem falávamos aqui na Comunidade, na lógica da área de serviço. Paramos, abastecemos e consumimos e seguimos viagem. Pedimos muito, agradecemos pouco. Pedimos muito e damos pouco.
Há um hino de Completas que diz:
Obrigado pelo muito
que neste dia nos deste
e perdoa-nos o pouco
que de nós Tu recebeste.
De facto, na nossa vida tantas vezes pedimos, tantas vezes consumimos, tantas vezes desfrutamos de tudo o que de bom Deus nos dá e, muito mais vezes, nos esquecemos de agradecer a Deus estes seus benefícios.
Deus não precisa do nosso agradecimento, pois o faz porque «não pode negar-Se a Si mesmo», tal como nos dizia São Paulo. O nosso agradecimento tem que tornar-se em louvor e testemunho. Porque Ele nos faz bem, então fazemos o bem. Porque Ele nos ama, então nós amamos.
Que sejamos capazes de cultivar a virtude do agradecimento que é o louvor e o reconhecimento da graça de Deus «que nos precede e acompanha sempre e nos torna atentos para a prática das boas obras» (cf. Oração Colecta). Não deixemos que sejam apenas os «estrangeiros da fé» a voltar atrás e reconhecerem a graça de Deus, mas sejamos nós o verdadeiro louvor.
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