Ordenação Diaconal | Palavras de D. José Tolentino
Homilia na Ordenação Diaconal
(escrita através do registo audio)
Queridos irmãos e irmãs,
Querido fr. José Manuel,
Nós, antes de tudo, queremos dizer-te da nossa proximidade, da nossa vizinhança nesta hora da tua vida. Estão aqui os teus pais que também te apresentam à Igreja e oferecem a tua vida para o serviço dos irmãos e sentem, certamente, este momento como um momento de graça e de grande profundidade para a história da sua família. Está aqui, a tua outra família – a família dominicana – da Ordem dos Pregadores, da qual já és religioso e um membro, e que olha para este momento como uma expressão de si mesma mas, também, como um momento de grande esperança por aquilo que significa mais um irmão ordenado para ser colocado ao serviço do Povo de Deus. Está aqui, ainda, o Povo de Deus constituído pelos teus amigos que te conhecem, que te acompanham há muitos anos, pelo povo que vem de Perosinho – da tua paróquia natal –, pelo povo desta comunidade paroquial e por todos amigos e que te dizemos que não estás só! Não estás só!
Este momento é muito acompanhado, muito sustentado também pela nossa amizade e pelo nosso ser Igreja. Porque, cada ministério não é apenas uma expressão individual, mas do conjunto. É a Igreja que te escolha, é a Igreja que te chama e chama-te porque nós damos esse testemunho e somos essa presença palpável de Deus na tua história. Por isso, este momento é de grande profundidade e de grande comunhão porque sentimos que a tua vocação nos enriquece a todos e é um chamamento para que cada um de nós viva a sua vocação de uma forma plena.
É belo e exigente o gesto que Jesus faz neste capítulo do Evangelho de São João que hoje proclamamos porque, como São João começa por nos lembrar, Jesus sabe que o Pai lhe concedeu toda a autoridade e todo o poder. Os próprios discípulos estão habituados a uma certa representação do Mestre. Mestre é aquele que ocupa o primeiro lugar, é aquele que está sentado, é aquele a quem os discípulos servem. E, contudo, Jesus faz este gesto excêntrico, este gesto flagrante e clamoroso e que, sem dúvida, cria um arrepio na comunidade dos discípulos como nós vemos pela reação do Apóstolo Pedro, que diz: Senhor, o que é que está a acontecer? O que é que está a acontecer? Acontece que Aquele que é o Senhor e o Mestre sai do seu lugar, despe as suas vestes e coloca-se como servo dos seus próprios discípulos, lavando-lhes os pés.
O Papa Francisco fala muito, como desafio à Igreja do nosso tempo, de uma «Igreja em saída», de uma «Igreja missionária», de uma «Igreja capaz de ser um hospital de campanha», que vai «ao encontro das periferias», que vai ao encontro da humanidade ferida. O grande ícone da «Igreja em saída» é, de facto, João 13. Jesus que sai do seu lugar, Jesus que tira as suas vestes e se coloca como servo a lavar os pés aos discípulos. Não é apenas um gesto, mas é para nos uma lição e para nós um programa de vida. A Igreja de Jesus Cristo é chamada em cada tempo e lugar a reencontrar-se com Jesus nos gestos fundamentais da simplicidade e do serviço, fazendo-se próxima, tocando os pés, tocando a fragilidade da humanidade e dispondo-se a essa configuração com últimos, para que possa ser, junto de cada vida, um testemunho do amor incondicional de Deus. Porque, no fundo, o que Jesus diz a cada discípulo é o amor incondicional que Deus tem por cada um e que Jesus está pronto a testemunha-lo com este gesto profético e radical do lava-pés.
Nós, a Igreja, temos de olhar para este texto como um desafio muito grande, como um apelo para também nós sermos capazes de sair dos nossos lugares, dos lugares habituais, dos formatos tradicionais, simplificarmos a nossa presença e nos ajoelharmos perante a vida, servindo. Porque, não há maior testemunho do amor de Deus do que o serviço. É isso que Jesus nos propõe.
Mas para nós despirmos as nossas formas, as nossas vestes, temos de estar muito seguros do amor de Deus. E por isso, a leitura do profeta Jeremias que hoje escutamos, querido frei José Manuel, é um apelo muito grande para o que vai ser a tua vida e o teu ministério: este amor muito grande à pessoa de Jesus, essa paixão por Deus que te chama e te escolhe, desde sempre, e que faz contigo uma historia e que é fiel ao teu caminho e está sempre contigo.
Por isso, um consagrado não tem que ter medo da sua pobreza. Tu, possivelmente estes dias antes da ordenação, muitas vezes pensaste na tua fragilidade em que, como humanos que somos, sentimo-nos sempre tão aquém da graça de Deus e tão indignos dela e tão pouco merecedores daquilo que Deus nos dá. Mas, o que Deus nos lembra, através do profeta Jeremias, é que a nossa pobreza não é um obstáculo. A nossa fragilidade não é um impedimento para Deus actuar. Pelo contrário, é importante que nos sintamos pobres. Se tu te sentes pobre, querido frei José Manuel, essa é a atitude certa, porque um consagrado tem que se sentir pobre: porque não é o poder dele; não é a força dele; não é a graça dele; não é o mérito dele; não e sabedoria dele, mas o que Deus pode actuar em nele. É o que Deus pode fazer através do que tu és, através da tua maneira de ser, através das tuas qualidades e até através das tuas imperfeições. Deus fala através disso tudo. Por isso, a palavra não é medo, mas é confiança: confia em Deus, ancora-te na Palavra de Deus.
Como dominicanos, o vosso símbolo é aquele cão, o cão de Deus – Dominis Canis – que tem nos dentes a tocha acesa da palavra de Deus. Que tu sejas, querido frei José Manuel, esse cão de Deus, essa figura humilde, mas de uma fidelidade que não se move – que não se move! – essa fidelidade ao teu Senhor. Que tu sintas que a tua vida está presa, presa pelos dentes, amarrada e atada à Palavra de Deus e que essa Palavra de Deus seja a tua luz, a tua tocha e que ela seja o teu fulgor, tal como nos lembra a epístola de São Pedro: quando tu fales seja a Palavra de Deus; quando tu actues seja por mandato de Deus para que, em tudo, Deus seja glorificado.
A vida de um religioso, a vida de um diácono, a vida de um consagrado não tem nada de misterioso. É muito simples: é a história de um amor! É a história de homens e de mulheres que vivem um grande amor e oferecem a sua vida, consomem e gastam a sua vida num amor. Antes de tudo, num amor a Deus, na fidelidade à sua Palavra que é chamado a pregar. Que és chamado a pregar pelo teu verbo, a pregar pela tua vida, pelos teus gestos e pela tua forma de viver. E acredita, querido frei José Manuel, que não há felicidade maior, não há alegra maior do que gastar a sua vida, do que poder oferecer a sua vida e a sua morte por amor. Isso é o que dá sentido à sua vida.
Quem é casado, sabe isso muito bem; na família, sabemos isso muito bem; com os nossos amigos, com as nossas profissões e com as nossas vocações, sabemos que não há maior felicidade que poder entregar a sua vida nas mãos de alguém.
Hoje, entregas a tua vida nas mãos de Deus. Que isto seja para ti um apelo radical a viver à maneira de Jesus Cristo, imitando os seus gestos, configurando a tua vida e o teu coração com a vida do teu Mestre, vivendo da sua Palavra, pregando a sua Palavra - por palavras e por obras – e sendo no meio dos irmãos um sinal dessa comunhão, um sinal desse amor que é, no fundo, aquele único que nos salva.
Palavras finais
Permitam-me apenas uma palavra, porque vejo que estão aqui muitos jovens: Sintam-se chamados a um grande amor!
Hoje, nós acompanhamos o frei José Manuel neste passo tão grande da sua vida de consagração a um amor grande. Não se satisfaçam com amores pequenos! Sintam-se atraídos e chamados a viver um grande amor seja ele qual for, seja ele qual for o caminho ou a forma de expressão. Mas, se Deus vos bater à porta do coração e chamar-vos para uma vida de consagração, semelhante à que o frei José Manuel hoje vive, digam-lhe sim com confiança, porque é a uma vida chamada, na sua configuração, a um amor grande, a uma felicidade extraordinária na dádiva de si e na entrega de si ao serviço da Igreja e dos irmãos. É um amor grande!
Nós, na Igreja, vivemos o hoje, mas temos de olhar para amanhã. Os jovens são, já hoje, os grandes arautos de esperança, mas, também, são os que garantem a continuidade das nossas comunidades e do grande projecto cristão.
Está homilia é de uma beleza enorme. Já li e reli e reli. Muitos parabéns! Um beijinho
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