Sem caridade tornamo-nos seres auto-referenciados
No nosso mundo tão actual, vivemos numa tensão constante entre aquilo que são os valores verdadeiros e que nos guiam e iluminam no caminho e os valores que parecem iluminar mais o mundo, ainda que não sejam os que nos conduzem à verdadeira felicidade.
Ainda há pouco tempo, quando ficamos isolados, fizemos tantas promessas e expressamos tantos sentimentos. Alguns até se diziam sentir «como que canários: livres e felizes dentro das gaiolas». Tal como o Papa Francisco alertou num "Angelus" durante o tempo de pandemia, «esta é uma oportunidade para mudarmos o nosso modo de agir no mundo. [...] Deixemos de nos auto-referenciar, deixemos o orgulho de lado e passemos a olhar para o irmão que precisa de nós e nós dele», porque - continua o Papa - «Não nos salvamos sozinhos [...] e vamos todos no mesmo barco». E este sentimento durou enquanto estivemos encerrados e isolados, mas mal a porta da gaiola se abriu, voltamos ao mesmo: egoísmos, orgulhos, sede de poder, de protagonismo, etc.
É este orgulho e sede de protagonismo, o desejo de controlar tudo, de ser «o centro do mundo» que mina o mundo e as relações humanas. A lógica da promoção, da ganância, do ser «eu, eu e depois eu». Há um cântico juvenil, que apesar de não fazer parte dos meus preferidos, eu costumo usar para falar do egoísmo e que diz assim: «Tudo gira à tua volta e em função de ti / não importa o quando, o onde e o porquê». E isto é tudo contra o Evangelho.
São Mateus, num dos trechos Evangélicos que temos ouvido estes domingos - creio que no Domingo XXII - aponta-nos um modelo de comunidade: o modelo da fraternidade e do perdão; Jesus aponta-nos uma comunidade que é serviço e São Paulo chega mais longe e diz que a comunidade dos cristãos é um corpo com muitos membros e que cada membro não está para substituir o outro, mas para completar. Logo aqui percebemos que todos fazemos falta a este grande corpo e que todos temos lugar. Por isso, o ciúme é desnecessário. Todos somos necessários, mas nenhum é insubstituível.
Mas vejamos o texto:
O corpo não é composto de um só membro, mas de muitos.Se o pé disser: "Porque não sou mão, não pertenço ao corpo", nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: "Porque não sou olho, não pertenço ao corpo", nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfacto?
De facto, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade.
É segundo a vontade de Deus que somos membros de corpo e somos dispostos por Deus. Não é por nossa vontade, nem muito menos por acharmos que assim devia ser. É Deus que opera em nós a sua vontade. Mais nos ensina que todos somos necessários e que todos temos uma função a cumprir. Quantas vezes vemos membros deste corpo eclesial a querer tomar o lugar de outro membro? Quantas vezes vemos membros a querer acumular funções dentro deste corpo para se destacarem dos outros? Cada um tem uma função e cada um deve ocupar apenas e só o seu lugar.
Continua o texto:
Aqui o ensinamento intensifica-se, porque para além de todos serem necessários, nem sempre os membros maiores são os mais necessários. É um convite à nossa humildade. A reconhecer a grandeza dos outros não pelo tamanho ou pela lugar que ocupa, mas a verdadeira grandeza está na função que ocupa. Quantas vezes desprezamos os membros mais pequenos? Quantas vezes «puxamos os galões» para nos dizermos mais importantes?
Por fim, o capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios conclui:
Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele. Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo.E isto é a construção do corpo de Cristo, a Igreja. A caridade - e não a "caridadezinha" - é o reflexo do amor com que Deus nos ama. É uma caridade que se faz amor, serviço, atenção, amizade e cuidado aos outros. É um amor condoído, é a compaixão. Para se fazer parte deste grande corpo não fazem falta o orgulho, a arrogância, a sede de poder, mas do outro. Temos de fazer os outros felizes para sermos felizes, temos de sentir a dor do outro para sermos mais fraternos e caridosos. Quantas vezes alguns se tornam felizes por ver os outros tristes? Quantas vezes há pessoas que se regozijam com a tristeza dos outros? Isto é contra-Evangelho!
São Paulo, no Capítulo 13 da Primeira Carta aos Coríntios exalta a virtude da caridade. «Se não tiver caridade... nada sou!»:
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