A oração de Jesus e a nossa
Imagem: J. Kirk Richards |
Ao tomar Jesus como Mestre de oração, este discípulo anónimo chama à atenção para duas coisas. Primeiro, Jesus é um Mestre porque ele mesmo ora, então ele ensina por experiência própria. A segunda, Jesus é o Mestre porque ele ora melhor do que nós. Resumindo: ele reza e nós tentamos rezar.
2. Esta distância entre a nossa oração e a dele, Cristo a indica desde o início na sua lição: «Quando orares, dizei: Pai nosso». Ele não diz: «Quando oramos, digamos...», mas «Quando orardes, dizei...». Jesus não reza connosco, porque ele tem sua própria oração e nós temos a nossa. Jesus dirige-se ao Pai dizendo: "Pai" ou "Meu Pai", numa proximidade única, porque o Filho eterno é consubstancial — de uma só substância — ao seu Pai. Por outro lado, dirigimo-nos a Deus dizendo: “Pai nosso” ou “Deus nosso Pai”, ou “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, porque somos criaturas e filhos adoptivos de Deus.
No restante da sua lição, Jesus retornará por fim à diferença mais marcante entre sua oração e nossa oração. Quando oramos, temos que pedinchar com Deus como Abraão diante da pecadora Sodoma, ser ousados, importuná-lo com nossos apelos. Temos que pedir, temos que buscar, temos que bater à porta. A nossa oração deve ser insistente, com firmeza. Cristo, ao contrário, nunca precisa insistir. Por exemplo, mesmo antes de ressuscitar Lázaro, ele reza assim: «Pai, eu te dou graças porque me ouviste. Bem sei que sempre me escutais” (Jo 11, 41). E esta oração é suficiente para Lázaro ressuscitar. Porque há tanta diferença entre ele e nós? E porque é que o nosso Mestre de Oração nos exorta a insistir?
3. Vamos começar com a primeira pergunta. Para entender essa diferença entre a oração de Cristo e a nossa, vamos primeiro lembrar o que é a oração. Quando oramos, apresentamos o desejo do nosso coração a Deus para que seja realizado. A oração é, portanto, o intérprete diante de Deus do que habita nas profundezas da nossa vontade. Como nós, Cristo orou. Isso significa que ele apresentou ao Pai o que habitava nas profundezas da sua vontade humana. Por exemplo, quando disse durante a Paixão: «Pai, perdoa-lhes», ele deseja ardentemente na sua vontade humana que o Pai perdoe àqueles que o crucificavam. Ora, esta vontade humana de Cristo tinha uma particularidade: sempre quis o que o Pai quer e por isso afirma: «o meu alimento, disse ele, é fazer a vontade daquele que me enviou». O meu alimento – isto é, aquilo que restaura as minhas forças e a minha vida – é fazer a vontade do Pai. Ou ainda: «Pai, não seja feita a minha vontade, mas a tua». Este modo de estar unido à vontade do Pai veio das profundezas da pessoa de Cristo. De facto, como Filho da natureza divina, ele tinha uma única vontade com o Pai. E como o Filho, ao entrar na nossa carne, tomou sobre si uma humanidade semelhante à nossa, ele tinha uma alma, tinha uma vontade, e todos os movimentos dessa vontade humana obedeceram em tudo à sua vontade divina. Não havia, se assim posso dizer, nenhuma distância entre o que Jesus queria nas profundezas da sua vontade humana e o que ele sabia que o Pai queria. E aqui está a razão pela qual ele foi respondido em sua oração: a sua vontade humana estava sempre em conformidade com a vontade de Deus. O que ele pediu de seu Pai foi o que seu Pai queria dar.
4. Tudo isto pode parecer um pouco complicado, mas basta comparar com a nossa oração para que as coisas fiquem mais claras. Vejamos o caso da intercessão de Abraão. Deus começa a reclamar diante de Abraão das falhas de Sodoma e Gomorra, e anuncia-lhe que vai visitar essas cidades. Assim, Abraão aproxima-se do Senhor – primeira condição da oração –, apresenta um pedido a Deus – segunda condição da oração –, e esse pedido é o intérprete do que ele tem no fundo do coração – terceira condição da oração. Isto é o que sai: “Deus realmente vai destruir o justo com o culpado? Deus julga toda a terra e, desta vez, não agiria de acordo com a lei? Por outras palavras, Abraão quer a justiça de Deus, uma justiça verdadeira como só Deus é capaz, uma justiça onde os justos são salvos. Observemos como Abraão colocou no seu coração o que ele sabe ser a vontade de Deus: "Visto que vós sois o Deus justo e salvador, quereis salvar o justo", e é querendo de acordo com o que Deus quer que ele vai formular a sua oração: "por cinquenta justos, poupa estas cidades, eu te imploro". Mas imediatamente ele se recompõe: eu pedi cinquenta justos, mas e se faltassem cinco, e se apenas quarenta e cinco fossem encontrados? E apenas trinta? E apenas vinte? E apenas dez? E quanto mais Abraão volta à carga, quanto mais se humilha, mais se atreve e quanto mais compreende a audácia desta oração que brota do seu coração, quanto mais regateia, mais descobre a profundidade da misericórdia de Deus, quanto mais ele tem a impressão de ser imprudente e inoportuno, mais o seu coração realmente se torna em conformidade com o que Deus quer cumprir.
5. Irmãos e irmãs, a oração é o caminho do nosso coração durante o qual ele aprende a bater ao ritmo da Salvação que Deus quer dar. É por isso que as nossas orações precisam ser insistentes e perseverantes. Não se trata de repetir mecanicamente como rodas de oração ou de harpa como os pagãos, porque não se responde pelo peso, pela quantidade ou pelo desgaste. A lição de Cristo sobre a oração mostra-nos, pelo contrário, que esta repetição é necessária para que a nossa vontade seja transformada, purificada, aprenda a desejar o que Deus quer no auge do seu poder e da sua misericórdia. Claro que não podemos rezar como Cristo, pois a sua vontade humana abraça e segue em tudo a vontade do seu Pai.
Mas porque está bem ciente dessa diferença connosco, Jesus concentra o seu ensino no movimento de aproximar nossa vontade da vontade de Deus, e resume esse movimento em três verbos: devemos pedir, buscar e bater à porta. Devemos pedir, porque devemos expressar diante de Deus os desejos do nosso coração para não ficarmos com intenções ou caprichos. Devemos buscar, ou seja, pedir com fervor a Salvação de Deus, para não ficar com pedidos mecânicos nos quais não colocamos o coração. Finalmente, devemos bater à porta do Senhor com todo o nosso coração como se tivéssemos que acordá-lo quando na verdade é ele quem nos envolve na sua vontade.
Precisamos pedir e pedir fervorosamente. Pedi e recebereis. Procurai e achareis. Batei e Deus será aberto para cada um de nós. Ó Jesus, Mestre da oração, não te canses de nos ensinar a rezar.
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