Se quiserem falar comigo, rezem a Jesus...

Panteão dos Bragança (Igreja São Vicente de Fora)
Panteão da Casa de Bragança
Mosteiro de S. Vicente de Fora

Há dias celebrei o funeral do David e a pedido das várias pessoas que me ouviram, deixo aqui a homilia
:

Queridos irmãos, 

Mal soube que tinha de presidir a este funeral do David, fiquei triste e até um pouco abalado, porque a história do David pode ser bem a história de tantos amigos e familiares nossos. Nunca se está preparado, mesmo sabendo que na vida de um padre tudo é possível e que são prováveis todas estas situações, mas nunca se prepara para este momento de despedida e somos sempre apanhados de surpresa. Apesar de conhecer pouco o David e a sua família, ouvi ao longo do dia de ontem vários testemunhos sobre ele: o sorriso sempre presente, o cuidado e amizade pelos seus pacientes, o bom pai e marido que era, o filho sempre presente... Tanta coisa boa que ouvimos do David e que nos leva a acreditar que era boa pessoa!!! Aliás, estamos aqui nesta igreja completamente cheia por causa disso: para celebrar a vida desta pessoa boa.

Quando me ligaram e disseram que ia presidir a este funeral (que para mim é um dos mais difíceis) pus-me a ouvir uma música que gosto e sentei-me para escrever umas poucas palavras para vos dizer. Não consegui!!! 

Não encontrei respostas para as muitas perguntas que certamente tereis e teremos todos no nosso coração e na nossa mente. Por muito que procurasse palavras de esperança para vos dizer, uma só vinha à minha mente: a de Marta. “Senhor, se estivesses estado aqui meu irmão não teria morrido!”. Parei um pouco, entendi a dor de Marta e Maria diante do morte do seu irmão Lázaro, assim como entendo a vossa dor, a vossa tristeza e as vossas dúvidas. 

Quando estava prestes a desistir de procurar palavras para vos dizer, veio-me à cabeça as palavras de São Paulo: “rir com os que se alegram; chorar com os que choram”. É isto que quero fazer convosco, meus queridos irmãos. Estar ao vosso lado, mesmo no silêncio, a chorar convosco, a pedir a Deus pelo David, por cada um de vós e por todos. Foi isto que Jesus fez diante da morte do seu amigo Lázaro: chorou diante do túmulo, juntamente com as suas irmãs, mostrando que é humano chorar e lamentar a morte daqueles de quem amamos. 

E aqui estamos… neste momento as lágrimas são o discurso mais eloquente que se pode ter. Mas estamos aqui numa celebração da Eucaristia não para comemorar a morte, mas para celebrar a vida, a nossa vida única que precisamos de cuidar. A vida não é um filme onde podemos recomeçar e recomeçar… só temos uma oportunidade! E esta é a nossa oportunidade, o nosso momento de vivermos na esperança de que o David foi bater à porta de Deus! E certamente que Deus a abriu, que abriu o seu coração e o acolhe na sua presença como a um filho muito amado, que soube ser presença de Deus no mundo, como médico, como pai, como filho, como cristão...

A vida cristã, nas palavras de Agostinho é uma busca incessante, uma inquietude de alma que só terá o seu descanso quando repousar e encontrar Deus. Só Deus basta como cantávamos… e o David já encontrou Aquele a quem buscava, tal como a terra seca que procura a água, o David encontrou a fonte que mana e corre para toda a eternidade. 

Ontem à noite, encontrei um texto de Vinícius de Moraes que vou ler e com ele termino. 

Se eu morrer antes de vocês, façam-me um favor: Chorem o quanto quiserem, mas não se zanguem com Deus por Ele me ter levado. Se não quiserem chorar, não chorem. Se não conseguirem chorar, não se preocupem. Se tiverem vontade de rir, riam. 

Se algum amigo contar alguma coisa a meu respeito, ouçam mas acrescentem a vossa versão. Se me elogiarem demasiado, corrijam esse exagero. Se me criticarem demais, defendam-me. Se quiserem fazer de mim um santo, só porque morri, mostrem que eu tinha um bocadinho de santo, mas estava longe de ser o santo que agora me querem atribuir. Se me quiserem fazer um demónio, mostrem que eu talvez tivesse um pouco de demónio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e ser amigo. Se alguém falar mais de mim do que de Jesus Cristo, chamem-no à atenção. 

Se sentirem saudade e quiserem falar comigo, falem com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar a ser útil a todos, lá onde estiver. E se tiverem vontade de escrever alguma coisa sobre mim, digam apenas uma frase : ‘Foi meu amigo, acreditou em mim e quis-me, por seu intermédio, mais perto de Deus!’. 

Aí, então derramem uma lágrima.Eu não estarei presente para a enxugar, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no Céu. Mas, de quando em vez, olhem na direcção de Deus. Vocês não me irão ver, mas eu ficarei muito feliz vendo-vos a olhar para Ele. E, quando chegar a vossa vez de irem para o Pai, aí, sem nenhum véu para nos separar, viveremos em Deus, a amizade que, na Terra, nos preparou para Ele. 

Vocês acreditam nestas coisas ? Sim??? Então rezem. Rezem para que todos vivam como quem sabe que vai morrer um dia, e que morram como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se trouxer o Céu para mais perto de nós, inaugurando aqui mesmo na Terra o seu começo. Eu não vou estranhar o Céu. Sabem porquê?

PORQUE, TER SIDO VOSSO AMIGO, JÁ FOI, PARA MIM, UM PEDAÇO DO CÉU !

A(té) Deus, David!

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