O Monte Carmelo e o Monte Calvário: Maria, lugar comum!
Altar de Nossa Senhora do Carmo
Foto: Sérgio Santos
Queridos irmãos,
Que honra e que gosto poder dirigir-vos esta meditação no dia
da nossa querida Mãe do Céu que aqui invocamos como Nossa Senhora do Carmo.
Muito agradecemos a Deus pelo Padre João Barros Nogueira que, em 1710, adquiriu
esta bela imagem que todos veneramos e assim constituía a Irmandade de Nossa
Senhora do Carmo de Perosinho, em 1734, directamente dependente da Ordem
Carmelita. Foi assim que se instaurou este belo culto à Santa Mãe de Deus!
A festa de Nossa Senhora do Carmo é umas mais belas festas de
Nossa Senhora, não só porque é uma das mais antigas, mas porque é a festa da
Mãe da Igreja, deste terreno fértil que queremos ser e onde o Senhor derrama a Sua
palavra como que de uma semente se tratasse e que germina e cresce. Carmelo
quer dizer vinha do Senhor, este hectare que Deus gosta de visitar e no qual se
passeia no meio da Sua criação, este terreno amado onde Deus saboreia a feliz
fecundidade da obra que ele mesmo realizou.
O monte Carmelo brilha na história do Povo de Israel, especialmente
com a história do profeta Elias e como qualquer monte, o Carmelo indica que é
preciso subir para chegar a Deus, deixar-se conduzir pelos terrenos altos e por
vezes difíceis. O monte é o lugar da verdadeira adoração, o lugar onde o Senhor
mostrou que era o Deus vivo aceita o coração purificado de quem d’Ele se aproxima.
Maria, a jovem de Nazaré, mãe de Jesus é o culminar dessa
imensa história de Salvação:
No fundo da sua alma, completamente aberta às dimensões
da história de Deus com o seu povo, é o culminar de uma humanidade que procura
a Deus, esperando-o e amando-o e, assim, torna-se a morada onde Deus pode vir
habitar.
Na santidade da sua alma, consente plenamente a
vontade de Deus, sem se voltar para si mesma, torna-se, também ela, o templo
onde Deus quer habitar.
Na riqueza da sua humanidade, da sua educação, da sua
psicologia, do seu olhar sobre os outros, ela manifesta a justiça, a misericórdia,
a ternura da fé, a extraordinária capacidade da fé dos humildes, revelando
aquele amor preferencial de Deus pelos pobres e humildes.
Assim, temos aqui três aspectos importantes da veneração de
Nossa Senhora do Carmo: a profundidade da sua alma, a santidade da sua vida e a
riqueza da sua humanidade. E, deste modo, compreendemos aquele grito da mulher
que diante de Jesus exclama: «Bendita aquela que te gerou e cujos seios te
amamentaram» e, mais ainda, com isto entendemos, de imediato a resposta de Jesus
àquela mulher quando diz: «Bem-aventurados aqueles que escutam a Palavra de
Deus e a põem em prática». A imensa
grandeza de Maria, a imensa beleza que nela contemplamos, vem da sua relação íntima
com Deus, da sua escuta obediente que a fez Mãe do Salvador, desde a anunciação
e que se perpetuou depois da Cruz, tal como ouvimos no Evangelho: Maria não é
somente a mãe de Jesus, mas mãe de toda a Igreja.
Por isso, quando celebramos Nossa Senhora do Carmo,
celebramos um dos nomes da Igreja, porque a Igreja realiza-se com este sim e
com o auxílio de Maria. Maria é a esperança da Igreja, ou melhor, ela torna-se
imagem e modelo da Igreja que todos queremos: sem manchas, sem conflitos, sem
fraquezas. Queremos olhar para a Igreja como uma Mãe que cuida e protege os
seus Filhos, uma Mãe na qual podemos recorrer sempre, porque sabemos que nela
encontramos refúgio. Queremos encontrar uma Igreja que acolhe a todos, que ama
a todos, que não exclui ninguém. Queremos encontrar uma Igreja onde nos sintamos
na presença de Deus, uma Igreja que seja templo de Deus, lugar habitado por
Deus, local de encontro com Deus. E Maria é tudo isto!!! Mesmo na Cruz amou
muito, não excluiu ninguém, antes recebeu todos estes Filhos de Deus, amando-os
como ao próprio Jesus, tornando-se o sacrário de Deus no meio da humanidade.
E Maria tudo fez para tornar a Deus presente no Mundo, não
chamando a si todas as atenções, mas dirigindo tudo e todos para o Seu Filho.
Na humildade e no silêncio, Maria acompanhou a vontade de Deus para aquele Jesus
de Nazaré. Tudo na vida de Nossa Senhora nos aponta para Cristo! A sua humildade,
simplicidade, generosidade e ternura… tudo quer revelar o rosto de Cristo!!!
Maria, no seu silêncio orante, acompanhou e amou muito.
Acompanhou o seu Filho não a um monte qualquer, mas àquele monte de que nos
fala o Evangelho: o Monte Calvário. Somos convidados a subir não só com os
nossos olhos, mas com o nosso coração onde Cristo se entregou totalmente e para
sempre. Somos convidados a subir o monte, não sozinhos, mas com Maria e a
contemplar naquela Cruz o mistério da nossa salvação: o amor derramado e
entregue por nós.
Somos convidados a subir hoje a estes dois montes: o do
Carmelo e o do Calvário. Somos chamados a gastar a nossa vida nesta subida até
Jesus, nesta subida ao calvário onde a Igreja encontra na Cruz do Senhor a
grande arma que vence o mal, a morte, o desânimo, as trevas. É nesta subida,
tantas vezes custosa e dura que nos apercebemos do grande milagre do
escapulário que luzimos hoje ao nosso peito. Não é sozinhos que subimos este
monte, mas subimos com o auxilio desta Mãe. Por isso, o escapulário não é
apenas uma peça de pano ou um adorno, mas um sinal que nos recorda esta
presença materna de Maria, um sinal da aliança que Maria faz connosco para nos
levar até Jesus. E nós, em Perosinho temos estes dois montes: o monte Carmelo,
onde está a Mãe, que invocamos como Senhora do Carmo e o monte Calvário, onde
está o seu Filho que aqui invocamos como São Salvador. Aquela Cruz não é o fim,
mas o início de uma grande aventura. Uma aventura que começou há mais de 2000
anos naquele monte Carmelo e que na nossa terra começou há 311 anos. E qual é
esta aventura? Qual é esta vida? É a vida cristã sob a protecção do escapulário
de Nossa Senhora do Carmo. Mas para isso é preciso subir e gastar a vida na
subida.
Subamos a estes dois montes hoje! Deixemos que o nosso
coração, os nossos olhos e todo o nosso ser contemplem aquela que é a Mãe e
aquele que é o Filho! Deixemos que o nosso coração se abra a este mistério da
maternidade e da entrega total de uma mãe pelo filho e que todos, ao sairmos daqui
entendamos, tal como repetiu o Papa Francisco em Fátima: Temos Mãe!!! Sim,
temos uma Mãe! Sim, Perosinho tem uma mãe e essa mãe é a Nossa Senhora que aqui
invocamos como Nossa Senhora do Carmo.
O mistério desta mãe abraça-nos nesta tarde! Uma mãe que
sofre aos pés da Cruz e uma mãe que protege os seus filhos. Uma mãe que
acompanha o sofrimento do seu Filho e uma mãe que continua a acompanhar-nos a
nós, seus filhos. É grande o mistério desta mãe!!!
«Junto à Cruz de Jesus estavam sua Mãe, a irmã de sua mãe,
Maria, mulher de Cléofas e Maria de Magdala». É a cruz o centro da nossa vida
cristã! É lá que Cristo transforma a morte, o medo, as trevas em luz, perdão e
misericórdia! Ali está Jesus: despido de tudo, nu e humilhado. Jesus, o
Nazareno, Rei dos Judeus, o rei divino que reina de braços abertos e pregados
na Cruz, com o lado aberto e com uma coroa de espinhos. Jesus, o Nazareno, Rei
do amor ali jaz: Eis o amor derramado naquela Cruz! Naquele acto de amor, cujo
silêncio ensurdece e espanta, Jesus sofre. Diante de toda aquela agonia e
sofrimento Maria não diz uma única palavra. Apenas sofre com Aquele que deu à
luz, apenas sofre com o seu filho. O amor de Maria é tão paciente como o de
Jesus: é um amor sofrido, silencioso, como um fogo que arde bem dentro e a leva
a sofrer quase tão silenciosamente como o Seu Filho.
«Jesus, vendo a sua mãe e o discípulo que Ele amava disse à
sua mãe: «Mulher, eis aqui o teu Filho». Jesus, do alto da Cruz, do alto do seu
sofrimento e agonia, fundou algo fundamentalmente novo, a família de Deus, a
Igreja. Aquele discípulo passa a filho. Aquele órfão adquire uma mãe. A figura
de João é a figura daquele discípulo que nunca abandona o seu Mestre, aquele
que estava junto ao sofrimento, próximo das chagas, próximo do lado aberto de
Cristo. Maria, naquela Cruz viu o que nós mesmos sabemos quando, incapazes de
mudar a situação e vendo uma pessoa amada a sofrer e toma a atitude que
qualquer um de nós pode tomar diante do sofrimento: o medo, ficar imóveis,
ficar paralisados. Mas a experiência de Maria muda depois daquela palavra
inesperada de Jesus: «Mulher, eis aqui o teu filho». O dom da maternidade de
Maria não termina diante do sofrimento, não termina diante da morte do seu
Filho, mas aquela morte abre o coração de Maria a uma maternidade ainda mais
forte.
«Depois disse ao discípulo: «Eis a tua mãe». É este o
mistério da subida ao monte Carmelo. Elias sobe ao topo do monte Carmelo num
momento difícil, marcado pela seca, pela fome, pela aridez do deserto. Apenas
avista ao longe o mar, que significam as trevas e todas as forças do mal. E eis
que Maria aparece prefigurada naquela nuvem que subia e descia diante dos olhos
de Elias. No monte do Calvário, a nuvem tem a forma humana de Maria. E neste
acolhimento de Maria como mãe, nada ficará igual ao que era. O discípulo
torna-se filho e aquela mulher torna-se mãe.
Somos nós, hoje, estes filhos! Somos hoje nós convidados a
acolher Maria em nossa casa e no nosso coração, sabendo que para subir ao monte
da glória é preciso subir primeiro ao monte dos nossos calvários.
É preciso subir a estes calvários onde vemos tantos «Cristos»
pregados nas cruzes das nossas indiferenças, das nossas críticas, das nossas
desconfianças. É preciso contemplar os «Cristos» que ainda hoje são
crucificados pela nossa pouca fé, pelo nosso egoísmo, pela nossa descrença e pela
nossa falta de amor.
Só depois de passarmos os Calvários somos capazes de chegar
ao Monte Carmelo, onde vemos esta Mãe que nos dá no seu escapulário um sinal da
sua aliança, contra o qual nenhum mal, nenhuma espécie de maldade nos poderá
tocar. Maria, Nossa Senhora do Carmo, continua a acompanhar-nos com o seu amor
e também hoje ela se reúne neste Cenáculo de Perosinho como a mãe que nos foi
entregue e nós, como filhos, diante dela lhe pedimos a sua protecção e bênção
para nós e para as nossas famílias e para toda a Paróquia.
Querida Mãe, Senhora do Carmo, olha estes teus filhos e
filhas que aqui vêm entregar a sua vida, marcada tantas vezes pelos momentos de
Cruz, de Calvário e de Via Sacra. Olha para o nosso caminho tortuoso e
aparentemente tão difícil! Aqui vimos, querida Mãe, para subir contigo a este
monte Calvário onde tudo se joga e onde tudo muda. Que não vejamos somente a
Cruz, mas a vida e o amor que nela se derrama! Ajuda-nos, ó Mãe, a ver nos
nossos calvários e nos crucificados deste mundo o Teu Filho Jesus, o Salvador.
Impele-nos, Senhora do Monte Carmelo, a fazermos desta comunidade paroquial o
cenáculo, a Igreja, onde o Espírito do Teu Filho vive. Querida Mãe e Senhora do
Carmo, ajuda-nos a sermos humildes colaboradores neste Monte Carmelo, nesta
vinha do Senhor que é o mundo.
Aqui, prostrados aos teus pés, querida Senhora do Carmo,
pedimos a tua protecção e auxílio, que o teu escapulário representa, para que
saibamos viver a vida como se fosse uma subida até estes dois montes onde a
vida e o amor se derramam por nós, onde aquele corpo ensanguentado do teu Filho
nos recorda que «não há vitória sem Cruz» e não há vida que não seja
acompanhada pelo amor de uma mãe.
Homilia proferida no dia 16 de Julho de 2023, dia da festa de Nossa Senhora do Carmo, em Perosinho.
Comentários
Enviar um comentário