Não temas; basta que tenhas fé!

«Minha filha, a tua fé te salvou!»
«Não temas; basta que tenhas fé!»
«Menina, eu te ordeno: levanta-te!»

O Evangelho deste Domingo é complexo: não se trata de uma cura, mas de quatro grandes curas. Duas delas espirituais e outras duas mais físicas. 

Este relato bíblico é, também, uma espécie de crónica de um dia com Jesus, que vai desde a manhã até ao fim da tarde. Era assim o dia de Jesus: de um lado para o outro, a fazer o bem, a curar os doentes e a anunciar o Evangelho, que é ele mesmo. 

Mas atentemos nas curas: 

1. A cura [física] da filha de Jairo. Aparece em dois momentos ao longo do relato evangélico. Na primeira vez, aparece o pai da menina e na segunda aparece a menina. 

Daqui podemos tirar uma grande lição sobre o que é ser pai/mãe, que tem por base um instinto natural, que é o do amor e da vida. A este pai não lhe importa que Jesus seja um estrangeiro, que seja alguém que começa a demonstrar a sua atitude contra as instituições judaicas, mas importa aproximar-se dele, pois ele era o único que podia curar a enfermidade da sua filha. 

Este pai era o chefe da Sinagoga e, mesmo assim, deixando de lado o seu poder vai humildemente pedir a Jesus que o acompanhara a sua casa e, deste modo, fazer com que a sua filha seja curada. A insistência deste pai era para que a sua filha se salvasse. E Jesus, que não fazia acepção de pessoas, foi com ele para conceder à sua filha a salvação e a vida.

Num segundo momento, já no final do relato, aparece de novo esta cena. Aqui já a filha de Jairo havia morrido, segundo os mensageiros. Mas o pai insiste em que ele vá até sua casa e Jesus cura a menina e ela levantou-se.

2. A cura [espiritual] de Jairo. Associada à primeira cura [física] da menina, Jairo também é curado. Dá-se a entender que Jairo recorre a Jesus pelo que ouviu dizer e porque parecia ser esta a única opção para a sua filha. 

Porém, ao longo do relato, percebe-se que há uma cura [espiritual] de Jairo. O mais normal é que Jairo tivesse deixado Jesus depois de lhe ter sido anunciado que a sua filha tinha morrido, mas não! Jairo mantém-se ao lado de Jesus e prossegue com ele o caminho, insistindo para que ele a salvara. 

Não era apenas a cura física da menina que lhe interessava, mas que Jesus a salvasse. Há, por isso, uma cura espiritual que passa por pedir a Jesus que cure a filha e, mesmo que tenha morrido, Jairo continua o caminho com Jesus. Jairo converte-se!

3. A cura [espiritual] dos discípulos. Os discípulos aparecem duas vezes neste Evangelho e penso que por maus motivos. A primeira vez questionam Jesus - que falaremos em seguida - e a segunda vez repreendem a Jairo. 

A tarefa de acompanhar Jesus não é fácil. Vemos que, em muitos relatos, os discípulos têm uma atitude contrária a Jesus. Neste relato, os discípulos questionam Jesus e repreendem um homem que tem a sua filha doente, mas Jesus acolhe, acompanha e cura. 

Também os discípulos de Jesus precisam de ser curados, precisam que o seu olhar seja convertido para um olhar misericordioso e compassivo como é o olhar de Jesus. Para ser discípulo de Jesus é necessário mudar o nosso olhar, é preciso converter o nosso olhar, aplicando os critérios de Jesus Cristo e não os nossos. Isto é a misericórdia! 

4. A cura [física] da mulher com um fluxo de sangue. De entre os muitos preceitos do judaísmo, as mulheres que estavam menstruadas ou com alguma enfermidade, era consideradas impuras e, por isso, afastadas da vida social. É, de facto, um relato extraordinário, já que nos faz ver o poder da fé, da nossa pouca fé! 

Esta cura é física, já que estanca o fluxo de sangue, mas é também espiritual, porque concede a esta mulher a dignidade para voltar a integrar a sociedade. 

Foi a fé daquela mulher que a levou a tocar no manto de Jesus e não foi Jesus quem a curou, mas o poder da sua fé n'Ele. A cura desta mulher deve-se à fé! E a fé desta mulher é acompanhada da verdade: «a mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha acontecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-lhe a VERDADE». Esta mulher apresentou-se diante de Jesus com aquilo que era, com a sua debilidade e a sua fragilidade, com a sua miséria e com a sua fé. 

Aqui se dá o encontro da MISERICÓRDIA (Jesus) e a MISÉRIA (a mulher), tal como nos relata Santo Agostinho (ainda que a respeito de outra passagem). 

E o que podemos tirar desta «crónica» de Jesus?

Em primeiro lugar, podemos perceber que a fé é algo que nos move. Porque nos move, ela dá-nos força e coragem para que nos possamos aproximar de Jesus, pela oração e pela vida fraterna. 

Mas, para viver esta vida fraterna, há que converter o nosso olhar, ou seja, deixar de olhar o mundo com os olhos dos nossos critérios e passar a olhar o mundo com os olhos de Deus (Gen. 1: E Deus viu que era bom). 

Para isso, é preciso que nos apresentemos com verdade, mesmo que essa verdade não seja a mais bela, não seja perfeita, não seja admirada, mas tal e qual nós somos! Jesus vai pegar na nossa miséria e vai transformá-la em graça, não nos preocupemos.

Aqueles que levam o nome de cristãos, têm por obrigação fazer o mesmo que Cristo fez. Jesus, na sua vida, foi inclusivo na sua acção, aceitando as diferenças de todos, mas integrando-os no seu projecto salvador. 

Aquilo que Jesus quer é que todos se salvem e «tenham vida e a tenham em abundância», pois esse é também o plano de Deus, tal como diz o livro da Sabedoria («Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos»). 

Ter vida em Cristo e em Deus, é ir convertendo, a pouco e pouco, o modo de olhar o mundo e a vida. Muitas vezes para isso é preciso parar, escutar, tomar consciência. É preciso ganhar consciência de que Ele nos dá tanto e que nós retribuimos tão pouco. 

Termino, com um hino de completas que me parece fazer o resumo do que é a fé, ainda que fale do fim do dia e da noite que se aproxima: 

Nós te louvamos, Senhor, 
ao terminar este dia. 
Desce a noite sobre nós, 
mas a fé nos alumia. 

Obrigado pela vida, 
tua dádiva paterna 
que apresentemos sem mancha 
no esplendor da Luz eterna. 

Obrigado pelo muito 
que neste dia nos deste, 
e perdoa-nos o pouco 
que de nós tu recebeste. 

Porque és Pai e és amigo, 
sentindo-te a nosso lado, 
damos ao sono da noite 
o coração sossegado. 

A Ti, Deus Pai de bondade, 
e a Jesus, Nosso Senhor, 
e ao Espírito Paráclito: 
Honra, Glória e Louvor. 


Bom Domingo!

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