Quaresma: Tempo de limpar a casa!

Na minha terra há dois grandes períodos de limpezas gerais. Em Agosto, que é o tempo das férias, e, por isso, há tempo para limpar com profundidade a casa e arrumar tudo o que não é necessário; antes da Páscoa, porque no dia de Páscoa vai o compasso a casa. 

Sempre achei que esta última limpeza tinha muito de cristão e é uma perfeita analogia com aquilo que é a Quaresma. A Quaresma tem muito disto: de limpeza! É uma boa oportunidade para limpar não só a casa física, mas a casa espiritual. 

Quem foi à missa do sábado de manhã - quem não foi pode procurar na internet as leituras - ouviu uma das mais belas passagens de Isaías, na qual se lê que todo aquele que tirar do seu meio tudo o que é mau aos olhos de Deus será chamado «reparador de brechas» e «restaurador de casas em ruínas». E isto vem muito no sentido de fazer a limpeza da Páscoa a que me referia no início. Certamente que ,quando fazemos estas limpezas mais profundas, procuramos reparar as marcas que o tempo deixa na casa, reparar as brechas, limpar a humidade, reparar alguma coisa que, com o tempo, se foi deteriorando. A Quaresma é esse tempo de reparação e de limpeza. 

A mesma leitura de Isaías dizia também que não só é necessário «tirares de ti toda a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas», mas também que «se deres pão ao faminto e matares a fome ao indigente». Muito se insiste na Quaresma naquelas clássicas atitudes de que falava o Evangelho na Quarta-feira de Cinzas: Oração, Jejum e Esmola. Elas são, claro está, muito importantes, mas muito vagas. Sim, podemos rezar mais e mais tempo, mas pode não ser uma oração fecunda; podemos jejuar de alimentos, mas não jejuamos dos maus pensamentos, das más acções, da maledicência, do egoísmo; podemos dar mais uma oferta, mas isso pode ser apenas um ritual. Enfim, são atitudes importantes, mas muito vagas. 

Eis o apelo da Quaresma:

«Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me».

Analisemos bem esta passagem: 

1. Se alguém quiser seguir-Me. Seguir Jesus é uma escolha, uma liberdade que nos é dada, uma oportunidade. Jesus não impõem nada! A Humanidade é livre para seguir ou não seguir Jesus. Ele apenas chama, quem está preparado para o caminho, segue-O! Seguir Jesus é sempre uma escolha pessoal.

2. Renuncie a si mesmo. Esta renúncia de si mesmo pode ter dois significados, segundo o dicionário: recusar algo ou abandonar algo. No entanto, nesta frase de Jesus, a palavra vem acompanhada de um «si mesmo», que poderia traduzir-se por «abandone-se». Claro que o renunciar a si mesmo é combater o seu egoísmo, mas o mais belo sentido é o do abandonar-se nas mãos do Outro, ou seja, confiar-se, entregar-se ou, até mesmo, dar-se.

3. Tome a sua cruz todos os dias. Tomar a cruz não é apenas tomar os problemas e inquietações da vida, mas é um acto de humilhação. Recordemos que a cruz era destinada apenas aos malfeitores e aos criminosos. Tomar a cruz todos os dias é saber qual é o nosso lugar, é saber que somos discípulos e não os mestres; é saber que somos Homens e não deuses; é tomar consciência que somos criaturas e não o Criador. Tomar a cruz todos os dias é um esforço por nos mantermos humildes e simples. 

4. E siga-Me. Seguir Jesus não é só seguir as suas ideias, o exaltar a boa pessoa que Ele foi. Seguir Jesus é saber que temos de fazer o que Ele mesmo fez. Socorreu os pobres, curou os enfermos, perdoou os pecadores, esteve ao lado dos que sofriam... 

Por isso, o grande apelo da Quaresma, para além da oração, do jejum e da esmola que, como disse são atitudes muito importantes, é tomar a livre decisão de seguir Jesus, é abandonar-se e confiar na Sua presença, é reconhecer o nosso lugar no mundo e na história, sendo humildes e simples e continuar a sua obra redentora, fazendo o que Ele mesmo fez. Isto é ser «reparador de brechas»!

Temptation, de J. Richards
O Evangelho deste Domingo I da Quaresma é o já conhecido relato das tentações de Jesus no deserto.  E a pergunta é a mesma de todos os anos: Quais são as nossas tentações? Somos capazes de lhes resistir? 

1. Qual é o nosso alimento? Esta é a primeira das tentações! Será que o nosso alimento é ver os outros felizes? Será que o nosso alimento é fazermos os outros felizes? Se somos algo, somos para os outros! Vivemos daquilo que nos é dado como dom ou procuramos sempre mais e mais? 

«Nem só de pão vive o Homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus»

2. O que procuramos no Mundo? Procuramos a vanglória? Procuramos que nos digam "que bom que és!", "só tu é que fazes bem", "és realmente fantástico"? Procuramos ser reconhecidos, idolatrados? Queremos ter carreira, fama, poder? Como fazemos pela vida? Esforçamo-nos ou procuramos o caminho mais fácil que é - como diz o povo! - a «graxa»? A quem adoramos?

«Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto»

3. Quem somos nós? Que títulos procuramos? O que queremos ser? Procuramos ser Homens ou deuses? Procuramos servir ou mandar? Será que tentamos a Deus? Será que lhe cobiçamos o lugar? 

«Não tentarás o Senhor teu Deus»

Tudo isto se insere na ideia de que a Quaresma é um tempo privilegiado para voltar a Deus. Deus quer que voltemos para Ele, tal como diz ao profeta Joel: «Regressai a Mim». O desejo de Deus é que o Homem esteja com ele e o desejo mais profundo do Homem é procurar a Deus e viver por Ele, com Ele e n'Ele. Santo Agostinho exprimia assim esse desejo: «Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti». 

Que esta Quaresma seja o tempo de voltar a Deus, de aderir de livre vontade a Ele, de abandonar-se a Ele, de tomar a Cruz e de O seguir, fazendo o que Ele mesmo fez.

Pax Christi!

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