In memoriam...
A Ti, Senhor, meus desejos regressam.
Findo o andar, disponíveis as mãos.
Abre meu corpo ao devir que não sei.
Eu chamo a esperança pelo nome de Deus.
fr. José Augusto Mourão, op
Dizia um irmão cá de casa que «para ser bem falado há que mudar de terra ou morrer», mas penso que isto não se aplica ao Fr. José Maria, que faleceu na passada quinta-feira.
Não sou bom em despedidas! Não gosto delas! Fico imóvel diante delas! Não consigo expressar-me bem! Gosto muito mais de recordações felizes, que me fazem lembrar as pessoas pelas coisas boas que por mim fizeram. Choro quando sinto a falta delas e quando percebo que já cá não estão. E não nas grandes coisas, mas nas pequenas coisas do dia-a-dia.
É destas coisas pequenas que vou falar nesta publicação. Muito haveria que escrever sobre o Fr. Zé Maria, mas apenas falarei de algumas... Não as mais importantes, mas daquilo que me vem à mente e ao coração e que fazem cair as lágrimas neste momento em que escrevo, pouco depois de lhe dizer o último Adeus, ou melhor, o último até breve ou até sempre.
Convivo com ele à mais ou menos 3 anos e meio, desde que comecei o Postulantado. Claro que o meu conhecimento da sua história é limitado e que outros irmãos frades e mesmo os não frades, poderiam falar da sua vida muito melhor que eu. Contudo, o Fr. Zé Maria marcou-me sempre - a mim e à minha família de sangue - porque me acolheu desde o primeiro dia e porque sempre foi atencioso para com todos.
Gosto de dizer que o Fr. Zé Maria era o pulmão contemplativo da comunidade e que concretizou, de facto, a sua vocação de pregador: pregava com a sua vida, com as suas palavras e com o seu exemplo. Obviamente que, como todos nós, tinha os seus defeitos e feitios, mas era um homem sincero, honesto, acolhedor, atento e paciente.
Como acolhedor, posso apontar o primeiro dia que vim ao convento de Lisboa, ainda como postulante. Com um sorriso na cara e com bom humor, abriu-me a porta do convento e começou logo a falar comigo como se já o fizéssemos desde sempre. Sempre me acolheu bem, até nas coisas mais simples, como o chegar a casa depois de um dia de aulas: «Então, e a luta de hoje?», dizia ele ao ver-me. Creio que ele deve ter sido o primeiro frade a quem todos conheceram pela primeira vez ao chegar ao Convento. Era, de facto, a «cara do convento».
Era uma pessoa atenta! Sabia quando estávamos tristes e preocupava-se connosco. Quando eu andava mais preocupado, ligava-me para o quarto: «Então, estás triste?». Quando, ao longo do dia, passávamos pela portaria, ele deixava o que estava a fazer e dava-nos total atenção: pousava o livro, questionava, falava e ouvia. Quando voltávamos de férias, perguntava sempre pela família e pela terra. Gostava muito de broa de Avintes e, quando eu ia à terra, a minha família tinha sempre a preocupação de arranjar broa de Avintes para trazer para os irmãos.
Um dia, numa dessas passagens pela portaria, interrogou-me: «Somos irmãos ou não somos?», ao que eu respondi: «Sim, claro que somos» e ele retorquiu: «Se somos irmãos trata-me por tu!». Confesso que me custou e lá me saía um você de vez em quando e ele corrigia logo: «Você? Tu, porque somos irmãos». Não é que tratar uma pessoa por tu ou você seja sinal de fraternidade, mas era o esforço para que me sentisse à vontade com ele.
Recordo os últimos tempos, sobretudo o último mês, já que passamos uma semana com a comunidade reduzida e fomos a companhia um do outro. Foi a difícil fase dos exames e ele com a sua simplicidade ia dando força e animava-me a dar o meu melhor. Nunca me senti sozinho neste convento, pois sabia que o Fr. Zé Maria estava ali sempre pronto e disposto para me ouvir e aconselhar. Nesse sentido foi um grande 'director espiritual', um grande irmão e, sobretudo, um grande amigo.
Mas dizia ao início que ele era o pulmão contemplativo da comunidade. De facto, a sua vida foi uma contemplação contínua: não via televisão, não ouvia programas, a não ser notícias, não perdia tempo com telemóveis e internet. Passava o seu tempo na companhia dos livros, da Bíblia, dos cânticos de Taizé e ouvia as notícias. Interessava-se pelo mundo, mas não o ouvíamos a comentar as notícias; apenas rezava. De manhã, vinha até ao parque de estacionamento ou até ao pátio e ali estava dez ou vinte minutos, sem dizer nada, sem falar... apenas estava ali, a olhar a rotina da cidade ou a natureza.
Tinha sempre as suas mãos pequeninas cheias: ou com a Bíblia, um livro ou o rosário!
Por ter nascido anão, sempre foi o mais pequeno da comunidade em estatura e algo limitado, mas isso nunca o impediu de nada: fazia tudo o que os outros faziam! Se não usava as mãos, usava a bengala! Se não podia caminhar, ia com a sua cadeira de rodas. Nunca o seu tamanho foi motivo para deixar de viajar quase por toda a Europa e à boleia e de ir a Taizé com frequência. Agora que já não se sentia com forças para lá ir era constante a visita de pessoas que lá iam e lhe traziam qualquer recordação. Ele, quando eu passava por lá, lá me ia mostrando os postais que lhe traziam. Tinha muitos amigos e todos gostavam dele.
No fundo, a vida do Fr. Zé Maria era uma vida entregue, disponível e próxima que transmitia paz e força. Via-se que ele vivia daquela fonte que ele contemplava e a quem ele rezava sempre.
Aqui no convento, os noviços chamavam-no de 'Pai Santo', já que as suas prédicas nas orações de Taizé aqui no Convento começavam sempre com essa frase: «Pai Santo...». Aquela voz frágil e ao mesmo tempo convicta de que este Pai lhe responderia às orações. No final, a jeito de brincadeira dizia: 'um bom regresso a vossas casas e dêem uma ajudinha para arrumar a tenda'!
E o que fica deste irmão? A sua presença, o seu silêncio e a sua amizade. Sem dúvida que perdemos o nosso pulmão contemplativo, resta-nos o esforço de continuar esta sua contemplação e de dar continuidade ao que tão sabiamente fazia. E já começamos a sentir a sua falta... Tudo o que houvesse de oração neste convento, o Fr. Zé Maria era o primeiro a chegar! Sempre que nos esquecíamos da chave dentro do quarto, o Fr. Zé Maria lá nos dava a chave mestra! Sempre que precisássemos de alguma informação, era só dizer: «Fr. Zé Maria, como é que é...» e ele lá nos respondia, sobretudo no que tocava à história da nossa Província.
E agora é a nossa vez de dizer: "Pai Santo, acolhe-o no Teu Reino".
Onde quer que estejas, Fr. Zé Maria, intercede por nós junto de Deus, tu que já o contemplas face a face!
Até sempre fr. Zé Maria!
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