Palavra e Acto

Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: 
«Falta-te uma coisa: vai vender o que tens, 
dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. 
Depois, vem e segue-Me».

Jesus não pede muito, pede uma coisa apenas: tudo! Não pode seguir Jesus aquele que não tem o seu coração onde está o tesouro, que é Cristo. 

Um coração cheio de Cristo é capaz, como Ele, de olhar os outros com simpatia e/ou afeição, mesmo que os temas sejam difíceis de tratar, como por exemplo o uso das riquezas, que sempre foi um tema delicado entre os cristãos. 

Mas Jesus, como dizia, não pede muito: não pede dinheiro, não pede títulos, não pede galardões, não pede sucessos, não pede cargos. Cristo pede tudo: pede que nos entreguemos totalmente a Ele, com coragem e confiança, mesmo que isso nos custe muito. 

Foi isto que perturbou o jovem rico do Evangelho: como posso eu entregar tudo, mesmo possuindo tanto? Quantos de nós possuem tanto e adquirimos tantas coisas, mas não somos capazes de adquirir o que é mais importante? Onde está o nosso tesouro?


O olhar de Jesus, mesmo corrigindo a atitude do homem rico, é um olhar de simpatia e de carinho, pois não deixa de o amar e querer que ele mesmo o siga. Sim, Deus não deixa de amar aqueles que corrige ou se afastam dele. Pelo contrário, ama-os ainda mais para que, sentindo este amor, a Ele regressem. 

Mas, voltemos à pergunta: onde está o nosso tesouro? Quais tesouros preferimos? Preferimos a sabedoria de Deus aos reconhecimentos e elogios públicos? Preferimos Deus aos encontros e reuniões? Preferimos Deus às rotinas desenfreadas?

Olhemos a primeira leitura: «Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue. Com ela me vieram todos os bens e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis». Quem escolhe ter Deus como seu tesouro, terá todas as riquezas, porque a procura da Sua presença, já é caminho para a riqueza mais profunda do que todas as outras, as outras que achamos ser riquezas, mas que apenas dão uma satisfação humana, reconhecimentos, vénias, mas não uma paz de espírito e uma tranquilidade de coração. 

Ouvimos, esta semana, no Colóquio sobre os Dominicanos, uma conferência sobre um frei dominicano, que se dedicou ao estudo da literatura e da língua portuguesa. Dizia, a certo ponto, a conferencista: «A palavra por si só é pensamento, é escola, é vida. A palavra é a vida posta em texto». A palavra é a vida e, por isso, Paulo afirma na segunda leitura: «A palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes: ela penetra até ao ponto de divisão da alma e do espírito, das articulações e medulas, e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração.». Assim, a nossa palavra deve ser o reflexo do que vivemos e do efeito que a Palavra de Deus em nós. Podemos ter muitas palavras, mas quantas palavras podem ser o reflexo da Palavra de Deus em nós? Quantas vezes ficamos pela verborreia, pelas teorias do «devemos», «temos de», «tem de ser»... mas a nossa vida é vaga, porque não é reflexo nem exemplo.

São João Crisóstomo, no seu tempo, dizia que aqueles que fazem leis e não as cumprem, são como os fariseus do Evangelho: «Atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens. No entanto, eles próprios não se dispõem a levantar um só dedo para movê-los. Tudo o que realizam tem como alvo serem observados pelas pessoas», ou como ficou cristalizado num célebre ditado: «Que bem prega frei Tomás: faz o que ele diz, não faças o que ele faz». 

Assim, as leituras deste Domingo falam-nos da necessidade que as nossas palavras correspondam aos nossos actos e, assim, não sejam apenas palavras mas vida. 

S. Paulo VI e S. Óscar Romero
Ocorre, hoje, em Roma, a Canonização de cinco santos do século XX. Gostaria de recordar Monsenhor Óscar Romero, homem de palavra e de actos, de palavras ricas, mas de actos coerentes. Quando os problemas começaram a surgir, ele percebeu que tinha de ser uma voz profética e um exemplo para todos aqueles filhos de Deus e dizia assim, recordando relato de Jeremias: «É sempre o mesmo, irmãos: denunciar o pecado da sociedade, chamar à conversão» e, ainda: «não nos cansemos de anunciar o amor. Sim, esta é a força que vencerá o mundo. Não nos cansemos de anunciar o amor, ainda que vejamos as ondas de violência a inundar a chama do amor cristão. O amor tem de vencer. É o único que pode vencer».

Que as nossas acções correspondam, cada vez mais, às nossas palavras e que a nossa vida seja o reflexo do amor que Deus nos tem e que não pede nada, mas pede tudo!

Pax Christi!

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