«Eu não sei falar, pois ainda sou um jovem»!

A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 
«Antes de te haver formado no ventre materno, 
Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, 
Eu te consagrei e te constituí profeta das nações.» 
E eu respondi: 
«Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um jovem.» 
Mas o Senhor replicou-me: 
«Não digas:‘Sou um jovem’. 
Pois irás aonde Eu te enviar e dirás tudo o que Eu te mandar. 
Não terás medo diante deles, pois Eu estou contigo para te livrar».

Jer. 1, 4-8

O ano lectivo que passou foi, para mim, um ano diferente. Foi um ano lectivo sem leccionação, mas de muita investigação, leitura, trabalho apostólico e de vida conventual. Foi difícil, mas reconheço ter sido uma graça, porque me ajudou a perceber a dimensão do estudo na Ordem, que não é apenas para nos enchermos, mas para dar aos outros (aliis tradere, no dizer de Tomás de Aquino). Assim justifico a minha ausência neste mundo digital e, sobretudo, neste blog. 

Ainda que faltem algumas pontas soltas, o meu percurso académico está praticamente concluído, ainda que sejamos estudantes para toda a vida. Porém, quando um ciclo acaba, há sempre um novo ciclo que começa e é disto que gostava de falar neste post

Pertenço a uma Ordem que é, na sua génese, mendicante e itinerante. Sempre tive uma grande admiração por aqueles irmãos que levam isto a sério e que partem para outros lugares onde a Ordem não está tão presente ou para Comunidades que deles precisam.

Já o disse aqui, mas nunca é demais recordar, que a obediência na Ordem, não é algo negativo ou impositivo, mas é uma forma muito bonita do estar disponível e confiar naqueles que nos enviam e descobrir naqueles a quem somos enviados o rosto de Cristo. 

Foi com este espírito de disponibilidade e de confiança que a ideia de uma futura assignação surgiu e foi sendo «cozinhada» ao longo de alguns meses. Assim, depois de alguns meses, acabei por ser assignado ao Convento de Cristo Rei, no Porto. Estou feliz por ser enviado «para os meus lados» e aí poder continuar a minha formação como dominicano e como pessoa. 


A semana passada regressei de umas pequenas férias e comecei a organizar as coisas para fazer a mudança para o Porto. A ideia de «mudança» é boa, mas a parte prática é difícil, porque nos surgem coisas pelas quais temos estima, mas há sempre que fazer a dura opção de mandar para o lixo ou de dar para os pobres. Somos acumuladores natos: um livrinho daqui, um folheto dali, uma lembrança que nos deram, etc... vamos sempre acumulando. Mas é pedagógico perceber que temos que nos cingir ao essencial e partir. E lembra-me de S. João Crisóstomo, que tanto li e estudei, que dizia: «O mal não é ter coisas, o mal é quando nos tomamos escravos delas. Não acumuleis nada na terra, porque a acumulação de riquezas só traz grandes males; o primeiro é a avareza, o segundo é a cobiça e o terceiro é a falta de atenção para com aquele que sofre. Por isso, digo-vos novamente: "Acumulai tesouros no Céu"».

Foi com este espírito de me cingir ao essencial que comecei a empacotar as coisas que tinha e de dar tudo aquilo que não precisava. E fez-me bem...

Sinto-me bem em mudar, sabendo que a mudança não é apenas de um sítio, mas de pessoas, de hábitos. de rotinas e de atitudes. É nisto que a mudança nos vai fazendo bem, porque nos dispomos a ir ao encontro dos novos desafios, de novas pessoas, de novas actividades, etc. 

Surgem, no meio de todo este rebuliço, surgem aquelas dúvidas normais: Será que me adapto? Será que sou a pessoa indicada para aquela comunidade? O que farei da vida lá? Terei capacidade para corresponder?

No meio destas perguntas, aquela passagem do Livro de Jeremias, veio-me à cabeça várias vezes durante esta semana.

1. «Eu já te conhecia e te consagrei». De facto, não somos nós que escolhemos, mas apenas vamos correspondendo aos apelos e convites de Jesus que, pelos irmãos, nos chegam. É um contínuo «sim» à vontade de Deus.

2. «Ah! Senhor meu Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um jovem». Eis as dúvidas que nos assaltam. Somos apenas pequeninos frágeis rebentos, necessitados de cuidados, mas cheios de vida.

3. «Não digas: 'Sou um jovem'». É a reposta do Senhor a Jeremias e a cada um de nós. Não és tu que tens que preocupar se és jovem ou velho ou se és frágil ou vigoroso, porque é Deus quem envia. Deus conhece aqueles que envia e só nos dá uma carga que sejamos capazes de suportar.

4. «Não terás medo... Eu estou contigo». É a grande confiança do Homem. Deus está connosco e nunca nos abandona. Quando a vida que construímos tem as suas bases em Deus, não há medo algum que a abale ou destrua.

Setembro é o mês dos recomeços e das mudanças. Uns vão para outras cidades estudar, outros voltam aos seus trabalhos, outros recomeçam as suas rotinas e outros, como eu, mudamos de rotinas. Em tudo a mudança apela a uma conversão interior, porque mais que arrumar caixas é preciso mudar o coração. Tenhamos o coração disponível para a verdadeira mudança.

Pax Christi!

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