Ser portadores da graça e da esperança

Certamente que todos temos imensas perguntas por responder, muitas dúvidas e incertezas quando se trata desta pandemia. É normal o questionamento, a dúvida e a incerteza. Diria mesmo que é a atitude mais humana que podemos ter. É o mais normal...

Imagem da Avenida dos Aliados, no Porto, completamente deserta
Fonte: PÚBLICO, 23/03/2020
Desde que começou este tempo de isolamento e de distanciamento que as nossas dúvidas se intensificam cada vez mais porque, muito simplesmente, não estávamos preparados para tal situação e, mais uma vez, a nível humano, há uma mudança de fundo na nossa vida que altera por completo a nossa forma de viver no Mundo. E parece que ficamos perdidos, o que também é muito normal, já que temos que nos ir adaptando aos novos modelos de trabalho, aos novos modos de conviver, ou seja, temos de aprender uma nova maneira de viver. 

Também é verdade que o efeito do isolamento, dado que, segundo a psicologia, somos «animais sociais», causa em nós uma certa depressão e uma certa revolta. Fomos feitos para a relação e, quando esta não acontece, ficamos um pouco deprimidos.

Desde o primeiro dia somos bombardeados continuamente com informação muito útil sobre esta pandemia, mas também com informação desnecessária que só cria mais medo, mais insegurança e incerteza. Uma e outra são necessárias, mas a dose certa. Por isso, fiz o propósito de deixar de ver notícias neste tempo de quarentena e de me informar apenas pelos meios oficiais (DGS, ARS, etc). E confesso que foi um grande alívio. 

Como estou numa comunidade religiosa, há sempre comentários de notícias às refeições e nos recreios e, nestes casos, afasto-me psicologicamente da negatividade de todas aquelas notícias. Por vezes digo na brincadeira aos irmãos que são «profetas da desgraça». Tudo é negativo, comentam-se as mortes, comentam-se os casos confirmados,fala-se de que «vamos morrer todos», que com isto nunca mais sairemos de casa, etc etc etc... Sei que faz parte do nosso «gene português» uma certa negatividade e pessimismo, mas não custa nada contrariar esta tendência «genética» e tornar-se um profeta da graça.

É muito significativo - pelo menos para mim - que tudo isto tenha acontecido no tempo da Quaresma e da Páscoa. É com a Sua Páscoa que Jesus nos leva da negatividade das nossas vidas mortas para a alegria positiva da Ressurreição e da Vida. Assim, o nosso sonho leva-nos àquela manhã de Páscoa: a negatividade e tristeza daqueles que, aparentemente, perdem o Mestre. São todos envolvidos pelo espírito da dúvida e da incerteza que os esmaga de tal modo que nem conseguem reconhecer o Cristo glorioso e ressuscitado. É «esta vida do Cristo Ressuscitado que está escondida em nós, como o fermento que leveda o pão, e essa massa é a espessura da nossa humanidade sofrente e, ao mesmo tempo, jubilosa». Escondida, sim! Sem efeito, não! É só preciso que a massa da nossa vida absorva este fermento. 

Numa das suas homilias, o fr. José Augusto Mourão escreve:

«Para nós que chegamos aqui, será amanhã como ontem? 
A resposta foi confiada à nossa fé, que é tanto uma estrada escura como uma estrada branca. Acreditemos na vida de Cristo mais forte que a morte. 
Acreditemos na sua força, capaz de nos acordar do torpor e do amolecimento, como o grão que na Primavera faz acordar a terra.
Acreditemos na vitória da vida, na insubmissão que ergue o mundo. [...] 
Toda a vida do cristão e da Igreja é uma saída do Egipto marcada por diferentes passagens, desde a primeira, a da conversão à fé, até à última.»

O cristão é, por isso, um profeta da graça, daquela esperança e alegria de que Aquele que morreu, também ressuscitou e não para nos dar a morte, mas para nos dar a vida, a Sua Vida. A nossa vida com a Vida do Ressuscitado é uma vida feliz e alegre. Com Ele no comando da nossa vida, só pode haver alegria e, mesmo quando aparecem as dúvidas e as incertezas, o desejo da alegria é sempre a fonte. 

Como dizia no início, o mundo exterior já nos estimula demasiado para o pessimismo. Deixemos que o mundo exterior nos estimule para o sonho e para a alegria de viver. Só quem deixa Jesus ressuscitar a sua própria vida é que é capaz de viver alegre, porque confiado. Não sejamos «profetas da desgraça», mas portadores de esperança.

Assim, confiados neste Deus de Vida, que nunca nos abandona nem desiste de nós, seremos capazes de ir regressando aos nossos ritmos e vidas, com calma, tranquilidade e precaução (claro está!), sem guerras, sem ataques aos outros, porque se nós não temos culpa deste vírus, também os outros não têm culpa. Vamos sonhando juntos e vivendo juntos este processo de desconfinamento, com paciência, tranquilidade, esperança e, sobretudo, muita alegria.

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