Cegueira do coração

«Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar: 
"Jesus, Filho de David, tem piedade de mim". 
Muitos repreendiam-no para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais:
 "Filho de David, tem piedade de mim".» 
(cfr. Mc 10,46-52)

Na sociedade contemporânea não faltam exemplos equivalentes deste relato evangélico. Quantos gritos de misericórdia e de ajuda existem hoje no nosso mundo? Sabemos deles? Escutamos estes gritos, ou ocultamos esses pedidos com o nosso ruído?

Quem somos nós neste evangelho? Somos aquele que pede misericórdia? Somos os discípulos e as multidões que abafam? Ou somos Jesus que os ouve e atende? Na verdade, somos os três...

Nós, muitas vezes, andamos cegos, custa-nos ver na realidade, quem está próximo de nós, quem precisa da nossa ajuda. Pior que a cegueira física, está a cegueira do coração, ou ainda, aplicando o ditado popular: «o pior cego é aquele que não quer ver». Fazemos que não vemos a pobreza, fazemos que não vemos a doença, fazemos que não vemos... enfim! Somos cegos... Andamos encadeados com luzes que não nos levam a ver a Luz, sejam elas as luzes da vaidade, do consumismo, da indiferença...

Mas o pecado também nos cega, faz-nos ver as coisas deturpadas, faz-nos ver as coisas à nossa maneira, segundo o nosso próprio entendimento. Por isso, o cego não grita: «Jesus, Filho de David, devolve-me a vista», mas diz: «Tem compaixão de mim». Tantas vezes pedimos ao Senhor isto e aquilo, mas poucas vezes lhe pedimos o seu amor misericordioso e gratuito.

E o Evangelho termina: «Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.» Só quando nos sentimos perdoados é que podemos fazer caminho, é que podemos seguir Jesus de coração aberto, sem medos nem barreiras, pois estamos confiados naquele que é a fonte da vida.

Não deixemos que o nosso olhar se turbe, que o nosso olhar seja como o dos ídolos que «têm olhos e não vêem» mas, como este cego do Evangelho, peçamos a Jesus que, em misericórdia, Ele perdoe os nossos pecados para termos a visão clara e objectiva das coisas e das realidades que nos rodeiam e, assim, possamos seguir Jesus.

Para terminar esta breve reflexão, deixo o Salmo 36 que diz:

A maldade fala ao ímpio no seu coração; 
não existe o temor a Deus ante os seus olhos,
porque ele se gloria de que sua culpa
 não será descoberta nem detestada por ninguém.
Suas palavras são más e enganosas; 
renunciou a proceder sabiamente e a fazer o bem.
Em seu leito ele medita o crime, 
anda pelo mau caminho, não detesta o mal.
Senhor, vossa bondade chega até os céus, 
vossa fidelidade se eleva até as nuvens.
Vossa justiça é semelhante às montanhas de Deus, 
vossos juízos são profundos como o mar. 
Vós protegeis, Senhor, os homens como os animais.
Como é preciosa a vossa bondade, ó Deus! 
À sombra de vossas asas se refugiam os filhos dos homens.
Eles se saciam da abundância de vossa casa, 
e lhes dais de beber das torrentes de vossas delícias,
porque em vós está a fonte da vida, 
e é na vossa luz que vemos a luz.
Continuai a dar vossa bondade aos que vos honram,
 e a vossa justiça aos rectos de coração.
Não me calque o pé do orgulhoso, 
não me faça fugir a mão do pecador.
Eis que caíram os fautores da iniquidade, 
foram prostrados para não mais se erguer.

Bom Domingo,

fr. José Manuel






Comentários