Uma vida em favor dos pobres

As Igrejas do Oriente e do Ocidente fazem hoje memória de S. João Crisóstomo, bispo de Constantinopla. Apesar de não se saber com precisão a data do seu nascimento, aponta-se que terá sido em meados do séc. IV. 

Toda a vida de S. João Crisóstomo é um exemplo de vida evangélica mas é, sobretudo, nos seus escritos que encontramos um exemplo de eloquência, um modelo de pregador e um modelo de bispo que guarda o seu povo. 

Apesar de ter sido exilado, por ser uma voz incómoda aos nobres e à realeza do seu tempo, nunca deixou de denunciar a falta de caridade para com os mais necessitados, nunca deixou de exortar os cristãos a fazerem um bom uso dos seus bens ou de apelar a uma vida cristã autêntica seguindo o exemplo de Cristo. 

Este ano irei dedicar-me à investigação para a dissertação do Mestrado e escolhi este grande pregador que, se vivesse no século XIII, teria sido um dominicano, sem dúvida.

João Crisóstomo é, sem dúvida, um moralista e um homem atento ao povo. As suas cartas, catequeses ou homilias são um exemplo de que vivia com um olhar atento sobre a sociedade da altura (Império Romano) e à Palavra de Deus. Assim, as suas homilias são uma síntese entre a Palavra de Deus e o quotidiano daquelas gentes. Com isto quero dizer que Crisóstomo fez com que a Palavra incarnasse no meio da cultura do seu tempo e como isto lhe custou. 

Entronização dos restos mortais em Constantinopla
Apesar de ser uma voz incómoda, era uma voz querida. Mesmo quando foi exilado, os habitantes da sua diocese faziam romagens até às montanhas para ouvirem as suas pregações. Por isso, João Crisóstomo foi, como se diz, «a voz dos sem voz». Isto custou-lhe o afastamento da sua diocese, mas não o desprezo daqueles que o exilaram e, por isso, quando faleceu, o Imperador mandou que os seus restos mortais fossem entronizados na cidade de Constantinopla com todas as honras e o próprio Imperador encabeçou o cortejo. 

Das suas 90 homilias sobre o Evangelho de São Mateus, oitenta por cento referem-se aos pobres (φτωχοί). Todas elas falam da devida justiça para com aqueles que não têm nada e que necessitam do apoio dos cristãos para conseguirem ter dignidade no seio de uma cidade imperial e abastada. Assim, para João Crisóstomo, «os pobres são o altar onde mais santamente se celebra a Eucaristia», porque se tornam o próprio Cristo que sofre, que está nu, que é desprezado. 


É na homilia 50 que encontramos uma forte e profunda reflexão entre a Eucaristia e o pobre e, por isso, ele diz: «quereis honrar, verdadeiramente o Corpo de Cristo? Não consintais que esteja nu. Não o honreis com vestidos de sede e fora [da Igreja] o deixeis perecer de frio e de nudez». E ainda nesta homilia afirma: «Pedro imaginava-se a honrar o Senhor não consentindo que Ele lhe lavara os pés e isso não era uma honra, mas tudo o contrário. Tributa-lhe a honra que Ele mesmo te mandou por lei, empregando a tua riqueza em socorrer os pobres. Porque Deus não tem necessidade de vasos de ouro, mas de almas de ouro».

É, de facto, na caridade que S. João Crisóstomo encontra a perfeita união com Cristo. Não falava o Boca d'Oiro da caridadezinha, da esmolinha, da pena por aqueles que nada tinha, mas da própria caridade que é o amor e, por isso, diz: «Por isso, o amor que tem por motivo a Cristo é firme, inquebrável e indestrutivel [...]. Aquele que assim ama, ainda que tenha de sofrer, olhando o motivo por que ama, nunca deixará de amar. O que ama para ser amado, apenas sofre algo desagradável, pois este amor poderá terminar; mas aquele que se liga à caridade de Cristo, jamais se afastará desse amor». 

Por isso a verdadeira esmola que este pregador pede é aquela que implica dar-se e gastar-se pela causa do Reino de Cristo, aproximando-nos com amor daqueles que mais sofrem e daqueles que mais precisam. E neste dar-se está implicado quer o material (dinheiro e bens), quer o físico (estar corporalmente), quer o espiritual (o amor de Cristo que cada um poderá dar ao outro). A esta esmola tão completa, o Bispo de Constantinopla chama «medicina de salvação». 

Por isso, neste dia de S. João Crisóstomo, a melhor memória que dele podemos fazer é por em prática o que ele ensinou (as suas palavras) e imitar a sua vida (o seu exemplo). De facto, a vida de todo e qualquer cristão e de qualquer pregador é fazer com que aquilo que pregamos, seja visto na nossa vida e, assim, possamos ser exemplo para todos os outros. É o nosso amor unido ao amor de Cristo que nos impele a viver uma vida fraterna e caridosa. Não esqueçamos aquelas palavras de admiração  dos pagãos ao ver os primeiros cristãos: «Vede como eles se amam!».

Que S. João Crisóstomo nos inspire a dedicar a nossa vida à causa dos mais necessitados. 

Pax Christi!

Comentários