Da folhagem aos frutos

«Em verdade vos digo: 
Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.
Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece: 
nem os Anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai».
(Mc. 13, 30-32)

Estamos a chegar ao fim de mais um ano litúrgico e os textos começam a falar-nos da parusia, do dia em que Jesus, sentado no seu trono, julgará os povos. O juízo final, tal como muitos dizem, dá-nos sempre a ideia de um dia terrível, em que seremos salvos ou condenados para sempre. Temos sempre a ideia de um julgamento cruel, onde nos farão muitas perguntas, onde nos questionarão sobre os pecados que fizemos e sobre a nossa vida. E isto dá-nos medo! 

Muito disto bebemos da Idade Média e do século XVI, sobretudo com a emergência de uma contra-reforma que tinha de responder face ao protestantismo que proliferava. Era uma época conturbada mas que permaneceu até aos nossos dias, sobretudo com as ideias de um julgamento severo, com uma grande carga negativa, terrível, pesada e, até mesmo, malvada. 

Ora, o julgamento de Deus nunca pode ser uma coisa má, nunca pode ser algo terrível, nunca pode ser algo que nos condene, nunca pode ser algo negativo. O nosso Deus não é um Deus negativo, mas um Deus positivo porque é um Deus de amor, de compaixão, de misericórdia, de paz e de alegria. O Fr. Mourão tinha mesmo a expressão: «O nosso Deus é um Deus de Festa» e, ainda, «Cantai a Deus que dança». 

Por isso, este discurso escatológico e de parusia só faz sentido quando visto a partir da vigilância, do estar atentos, do estar preparados. Não para vigiarmos apenas sobre a nossa vida, mas para que estejamos atentos à vinda de Cristo, que se faz no quotidiano da nossa existência. Ontem, celebrávamos a memória de Santa Isabel da Hungria e a oração que nos é proposta pela liturgia resume bem o que é estar atentos: «Senhor, que destes a Santa Isabel da Hungria o dom de conhecer e venerar a Cristo nos pobres, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de servirmos com caridade sem limites os pobres e os atribulados». Estar atentos e vigilantes é saber reconhecer nos que mais sofrem o rosto de Cristo, a carne de Cristo, o próprio Cristo. 

«The greatest in the Kingdom», J. Richards
Assim, o julgamento ou juízo final não se fará através de perguntas, mas de uma só pergunta: «Quanto amaste?». É a tónica do juízo final. Deus, que é Amor, perguntará apenas quanto amamos; Deus, que é Amor, perguntará apenas pelo quão grande e atento foi o nosso amor. 

Agora, a nossa vida tem que ser escuta e vigilância para que o corpo de Cristo não esteja ao frio e a morrer à fome. João Crisóstomo diz na sua Homilia 50 sobre o Evangelho de São Mateus: «Quereis honrar verdadeiramente o corpo de Cristo? Não o desprezeis quando está nu e lá fora a padecer de frio». Sim, a pobreza não é coisa de partidos políticos, mas de toda a humanidade e, mais ainda, de todos os cristãos. Os cristãos devem amar aqueles que Deus ama: é isto o amor cristão! E Deus ama a todos, mas ama preferencialmente os pobres, os desprotegidos, os que são vítimas de injustiças, os que são vítimas de políticas desequilibradas, vítimas da solidão e da surdez que a tecnologia nos provoca. 

Deus ama e quer que nós amemos tanto quanto ele ama, mas isso exige sacrifício porque não são paixões, mas trata-se de um amor mais profundo e intenso. É sobre este amor que Deus nos pedirá contas. 

No Evangelho de hoje, Jesus diz que devemos aprender a parábola da figueira: «Aprendei a parábola da figueira: quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo». Nós somos esta figueira! A questão é onde temos as nossas raízes: no céu (vontade de Deus) ou na terra (vontade humana)? No passado dia 15 de Novembro, a Ordem dos Pregadores, celebrou a festa de Santo Alberto Magno, dominicano, bispo e cientista. Uma das antífonas que rezamos dizia: «Ensinai-me, Senhor, a fixar não na terra mas no céu as raízes da minha árvore, para que a minha fidelidade se manifeste não na folhagem das palavras mas nos frutos das boas obras». 

Sem dúvida que a beleza da folhagem das árvores é inquestionável, mas sem dúvida que o melhor das árvores são os frutos que nos alimentam, que nos dão sabor e cor. Os frutos da nossa árvore têm de ser as boas obras, o amor dado e consumido em favor do outro. 

E este discurso todo é para quê? 

O Papa Francisco declarou que o Domingo antes da Solenidade de Cristo Rei seria dedicado aos pobres e foi criado o Dia Mundial dos Pobres. Não sei o que esteve por trás da escolha do dia, mas é uma feliz coincidência que o Papa tenha escolhido este dia, já que para estar preparados para o encontro com o Deus de Amor é necessário primeiro saber reconhecê-lo no pobre. 

Obviamente não irei falar aqui da mensagem do Papa, já que a podem Ler aqui (clicar). Mas a mensagem gira em torno de um versículo de um salmo que diz «Este pobre clamou e o Senhor o ouviu». A grande questão que o Papa lança é se nós somos verdadeiramente capazes de escutar o clamor do pobre. 

A resposta de Deus é sempre cheia de amor e a nossa? Deus escuta e nós? Deus está atento e nós? 

Que este dia mundial dos pobres - um dos poucos que gosto de celebrar - não seja mais um dia de falarmos sobre os pobres na teoria, nas ideias, por palavras, mas por acções concretas e cheias de amor. Mas que não seja apenas um dia, mas o início dos dias em que estaremos atentos e vigilantes às necessidades dos outros. Só assim amaremos e é por este amor que seremos julgados. Ou, parafraseando o poema de Sebastião da Gama: «Pelo amor é que vamos..».

Que o nosso amor não se fique pela ramagem das palavras, mas nos frutos das boas obras.

Bom Dia Mundial dos Pobres... 

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