O amor precisa de espelhos


Amarás o Senhor teu Deus.
Amarás o próximo como a ti mesmo.
 «Não estás longe do reino de Deus». 

O Evangelho deste Domingo transmite-nos um pensamento que define o ser humano, muito mais que todas as palavras, muito mais que todas as definições teóricas de Homem, Humanidade ou Ser Humano. 

Se a vida é experiência, o amor é o motor através do qual podemos fazer a experiência de uma vida. Não falamos das paixões, não falamos dos gostos de cada um, não falamos de um amor que vai e vem segundo as afeições ou desprendimentos. Falamos de um amor diferente, um amor que é espelho. 

Somos espelho de um amor que ultrapassa todas as paixões, todas os gostos... falamos do Amor que é Deus (cf. 1 Jo. 4, 8). Falamos do amor de Deus que é Ele mesmo, porque se dá sem medidas, porque se gasta mas não acaba, porque se consome mas não deixa de ser alimentado. É um amor circular que volta sempre ao início e é sempre novo. 

O amor move, o amor toca-nos, o amor desconcerta-nos, o amor gela-nos, o amor aquece-nos. Mas como digo, não é um amor, mas é o amor. E este amor lembra-nos uma coisa: precisamos de ser amados! E, por isso, o amor precisa de um espelho. É no espelho do outro que vemos o nosso amor.  Se é verdade que somos reflexo do amor de Deus, também tem de ser verdade que os outros são reflexo do nosso amor. É isto que encontramos num único mandamento: Amar a Deus e amar ao Próximo.

Precisamos de ser amados para amar! O fr, José Augusto Mourão dizia num poema: «Ninguém consola se também não sofreu / Ninguém é terno se nunca foi ferido / Só se perdendo se ganha o amor de Deus». Só quando fazemos a experiência do amor é que podemos amar. São Francisco escrevia assim: «Ó Mestre, fazei com que eu procure mais consolar, que ser consolado; Compreender, que ser compreendido; Amar, que ser amado; Pois é dando que se recebe; É perdoando, que se é perdoado; E é morrendo que se vive para a vida eterna». 

O frei Mourão escrevia , ainda: «O amor diz-nos sempre isto: dependemos do outro para viver. Sem o outro ninguém vive. O amor é deficiente. O próprio do amor ou do sofrimento é que só cada um o experimenta». De facto, é na carne do outro que o nosso amor se revela, porque é nosso espelho.

Somos espelho! Queremos ser o reflexo do amor de Jesus que, amando-nos até ao extremo, se deu na Cruz. E eis que ali está o amor! Amar é dar-se! Amar é deixar-se consumir! Amar é arder para abrasar os outros (S. António Maria Claret)! 

O nosso poeta Camões tem um poema que é sobejamente conhecido e que diz coisas como estas: «Amor é fogo que arde sem se ver; É cuidar que se ganha em se perder». Eu diria antes: Amor é fogo que arde sem se ver mas que aquece o outro; Amor é perceber que quando se gasta e consome mais amor se tem. É, segundo o fr. Mourão, «perder-se para ganhar o amor de Deus». 

O Amor é entrega, é dádiva, é dar-se! Só quando é dado é que se percebe que se recebe. É permuta! Por isso, o amor precisa de espelhos. Deus precisa que sejamos o espelho do Seu amor. Deus precisa que sejamos o reflexo do Seu amor para os outros. Por isso, amar a Deus (deixando-se ser espelho do Seu amor) e amar o próximo (sendo espelho do amor) é o maior de todos os mandamentos. 

O Amor precisa de espelhos! Que esses espelhos sejamos nós mesmos... assim não estaremos longe do Reino de Deus!

Bom domingo!

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