Entre o parecer e o ser

Naqueles dias, o profeta Elias pôs-se a caminho e foi a Sarepta. 
Ao chegar às portas da cidade, encontrou uma viúva a apanhar lenha.
(I Reis, 17, 10)

Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante.
(Mc. 12)

As leituras deste Domingo falam-nos de duas viúvas. A viúva, ao tempo de Jesus, não era considerada, já que perdeu aquilo que, naquele tempo, lhe dava dignidade, isto é, o marido. Era uma cultura patriarcal e centrada no homem. Aliás, os homens judeus, ainda hoje, rezam todos os dias um versículo que diz: «Dou-te graças, Adonai, por não me teres feito mulher». 

Mas estas não são duas viúvas quaisquer e por isso nos são dadas como exemplos de humildade e de dádiva. São duas mulheres santas que se deram e deram tudo o que tinham a Deus: a primeira por ter cozinhado o pão para o Profeta Elias e a segunda por ter dado aquilo que tinha no templo. 

Porém, se estas mulheres nos são apresentadas como exemplo, também é verdade que Jesus critica algumas atitudes, tais como a dos escribas e fariseus, isto é, o orgulho e a sede de protagonismo. 

Se no Domingo passado falamos da questão de sermos espelhos do amor de Deus, dando-se e consumindo-se pelo Reino de Deus, hoje falamos da grande recompensa que teremos em dar tudo a Deus. 

O Papa Francisco diz que o amor sente-se até na carteira, porque quanto mais se dá, mais se ama, mesmo monetariamente. E a recompensa? Se não nos conseguimos livrar da tentação de exigir recompensa pelo bem que fazemos e que deve ser gratuito, então a nossa recompensa será termos tudo o que é necessário para viver em paz. Sim, digo viver em paz e não viver bem! 

Vejamos as atitudes dos escribas: exibem longas vestes, gostam do reconhecimento público, os primeiros assentos, devoram a casa das viúvas (com impostos). Quatro maus exemplos! Mas quanta sede de protagonismo! E será que isto é só no tempo, religião e sociedade de Jesus? Olhemos para a nossa situação, para o nosso mundo, para o nosso país, para as nossas comunidades... Quanta gente se aproveita da Igreja para ser considerado «os melhores»! Quanta gente gosta do reconhecimento público, do ser elogiado, de ser posto num pseudo-altar! Quanta gente impõe aos outros duras regras, duras leis e essa mesma gente não as cumprem? Quanta sede de protagonismo! E a estes Jesus diz: «Estes receberão uma sentença severa», ou como diz o ditado português: «quanto mais alto se sobre, maior é a queda».

Olhemos, agora, para aquelas pobres mulheres. 

1. A viúva de Sarepta, sabendo que a fome chegaria foi apanhar lenha para cozer o pão para ela e para o seu filho e esperar a morte. Há aqui uma espécie de conformismo, do pessimismo e do derrotismo porque dinheiro não tinha e a farinha acabava. E eis que aparece um homem que vai ao seu encontro e lhe pede de comer e bebe a ela, que já tinha planeado tudo para poder morrer em paz com o seu filho. Mas este profeta de Deus insiste e persiste em que esta lhe dê de comer e beber e é aqui que se dá a passagem do conformismo para a confiança. Ela confia que ele não quer o seu mal nem a morte do seu filho. Confia nele e eis que recebeu a sua recompensa. Deu tudo o que tinha e do que tinha ainda sobrou e nunca mais lhe faltou nada. 

2. A viúva do Templo, tal como Jesus afirma deu tudo o que possuia, tudo aquilo que tinha para viver porque muito confiou em Deus. Não deu do que sobrava, mas deu tudo, mesmo aquilo que lhe fazia falta. E é aqui que se nota o contraponto entre os escribas - que davam do que lhes sobrava - e a viúva - que oferece tudo o que tinha - e por isso são dois opostos. Se, por um lado, os escribas gostavam de se vangloriar por darem quantias avultadas - muitas vezes davam daquilo que roubavam nos impostos - e daquela pobre viúva que, quase invisível, deu tudo. 

É o encontro com Deus e o seu olhar misericordioso e atento que nos leva a ter grandes atitudes que, ainda sendo pouco visíveis, são maiores que lutam por fazer grandes coisas para serem vistos, admirados e adorados pelos outros. Cada vez mais estou convencido que é nas pequenas coisas que está a beleza da vida; sim, nas pequenas coisas e nas mais humildes. Nas coisas que são quase invisíveis aos olhos dos grandes mas que tornam a vida bela: ir visitar os doentes que não tem família, falar com aqueles que são invisíveis para os outros, apagar uma luz que fica acesa, apanhar um papel que está no chão, olhar para todos com o mesmo olhar e amar a todos do mesmo modo, sem esperar retribuição. É aqui que se revela a nossa confiança em Deus: não fazer nada para que os outros vejam, mas para que os outros conheçam o amor de Deus, qual espelho de que falava no Domingo anterior. 

Duas viúvas, duas situações, duas vidas mas a mesma confiança! Deus ama de quem dele se aproxima. Ontem, estava com uns jovens numa paróquia e eles cantaram um cântico que, desde ontem não me sai da cabeça e que diz: «Confia em Deus, teu salvador! Confia em Deus, Ele é amor!»

É este ensinamento que podemos tirar destas leituras: não é preciso sermos considerados os melhores, não é necessário que nos exibamos do que fazemos, mas o essencial é confiar em Deus e fazer tudo para que se manifeste aos outros o Seu amor, através de nós. 

Atrever-se a viver por amor! Atrever-se a dar tudo, mas tudo mesmo! Atrever-se a confiar em Deus! Três boas atitudes que aprendemos destas mulheres! Sim, essas mulheres que, naquele tempo, eram desprezadas e invisíveis! Aprendamos que não é daqueles que se gloriam que aprendemos a beleza da vida, mas através daqueles que vivem a sua vida como se fossem invisíveis. 

Quantas pessoas conhecemos que fazem o bem porque se querem dar totalmente? E quantas pessoas conhecemos que querem fazer o bem para serem bem vistos e reconhecidos? É esta a diferença entre o parecer (escribas) e o ser (viúvas).

Que tenhamos a coragem de viver através das coisas mais humildes, da dádiva total e de tudo o que possamos oferecer, mesmo o que nos faz falta!

Bom domingo!

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