Deixar Jesus entrar com o irmão

E se alguém der de beber,
nem que seja um copo de água fresca, 
a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em verdade vos digo: 
Não perderá a sua recompensa».

1. São João Crisóstomo, nas suas Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, tem uma expressão que rapidamente se tornou um ditado popular nos nossos dias e que diz: «Quem dá aos pobres, empresta a Deus». Num sermão de Santo Agostinho também podemos ler que: «Quem dá esmola aos pobres, também a dá a Cristo e Cristo não perde nada do que lhe damos». Ou seja, o pobre, tal como no tempo destes dois santos (séc. IV), são aqueles a que Jesus no Evangelho deste Domingo chama de «pequeninos». E como é difícil convencer a nossa inteligência e razão de que aqueles que são inferiores a mim são o rosto de Cristo.

Nas leituras que acabamos de escutar há uma linha comum: o reconhecimento dos homens e mulheres como um dom de Deus. Muitas vezes procuramos Deus nos grandes acontecimentos, nas grandes personalidades, mas Deus está nos mais pequenos e nos pobres, nos excluídos, nos marginalizados, nos que sofrem. Sim, Deus está ali. O pobre é como que um «lugar teológico» onde Deus se nos revela. E como é difícil reconhecer a sua presença!

Na Igreja surgiram e surgem, ainda hoje, verdadeiros homens e mulheres de Deus, cuja vida, obra e acções são autênticas revelações deste Deus que nos ama, que vem ao nosso encontro e que quer «montar a sua tenda» no meio de nós, no nosso coração.O nosso Deus quer habitar em nós e, por isso, acolher estes mais «pequeninos» é acolher o próprio Deus. 

A subida do Profeta Eliseu ao Céu
num carro de fogo
(ícone do séc. X)
2. Na primeira Leitura ficamos a conhecer Eliseu, um profeta, que vivia de tal modo, a sua vida era tão conforme a Deus que aquela mulher sunamita o reconhece como «homem de Deus». E como nos é difícil reconhecer os homens e mulheres de Deus no nosso tempo. Não porque não saibamos quem eles são, mas porque o nosso coração está tão cheio de nós mesmos que recusamos a novidade que nos trazem. E, não raras vezes, rejeitamos, desprezamos estas pessoas porque se tornam um estorvo para o cultivo do nosso «ego». E isto causa-nos uma cegueira espiritual que é tão má ou pior que a cegueira física, porque não há maior cegueira que a cegueira do coração.

Aquela mulher sunamita tinha o coração tão disponível que reconheceu em Eliseu o próprio Deus que a visitou e que se hospedou em sua casa. O nosso Deus é um Deus que se deixa hospedar em nossa casa, no conforto do nosso lar e na intimidade do nosso coração. Ela reconheceu naquele rosto humano a vida divina que habitava aquele corpo. Ela percebeu o dom que era aquela vida entregue ao serviço de Deus. Ela soube reconhecer naquele pobre profeta que a visitava o Deus que quer habitar no meio de nós.

Esta é a atitude mais bela que um cristão pode ter: a atitude do acolhimento do próprio Deus que nos visita no quotidiano, sobretudo naquele que nos é inferior, naquele que sofre, no pobre e no mais pequeno. 

3. Ser discípulo de Jesus é saber-se, antes de mais, acolhido e amado por Deus que nos ama tal como somos, sem máscaras, sem adornos, mas simplesmente ama porque é Amor. Por outro lado, ser discípulo exige muito de nós, implica desprendimento, renúncia e adesão total. Numa palavra, ser discípulo implica fazer de Jesus o nosso projecto de vida, o centro da nossa vida e da nossa existência, a respiração da nossa alma e as mãos do nosso espírito. Quem olha para um discípulo de Jesus - quem olha para cada um de nós - deve ver apenas um rosto: o rosto de Jesus Cristo.

E isso tem algumas exigências fundamentais, que podemos ver no Evangelho. Jesus não diz para não amarmos os pais e irmãos, mas que isso não pode ser impedimento para O seguir; não diz para sofrer e morrer, mas que o medo do sofrimento e da morte não pode empatar o seguimento. Jesus quer apenas que o nosso coração esteja suficientemente disponível para O receber. Quer que façamos do nosso coração a sua morada. 

O «não é digno de Mim» não quer dizer que Jesus não nos ama, mas o ser digno dele é amar de um modo incompreensível e é tão incompreensível que nos leva a amar a todos sem distinção e a amar preferencialmente, mas não exclusivamente, estes «pequeninos».

Jesus não nos exclui, mas quer-nos atentos à realidade: Não importam as coisas que o mundo acha «grande»; não importam as coisas e pessoas que nos trazem prestígio; não importam os grandes lugares. Importa, isso sim, valorizar o mais humilde; valorizar os que são mais «pequeninos»; importa valorizar os pequenos sucessos do dia-a-dia e as pessoas que nos são próximas como um dom de Deus para as nossas vidas.

4. Queridos irmãos, 
ser discípulo é olhar o outro com o olhar de Deus, ver no outro o rosto deste Jesus que quer ficar connosco, na nossa casa e no nosso coração. E como? Quando acolhemos os mais «pequeninos» na nossa vida como um dom.

Para terminar, apenas mais uma citação de João Crisóstomo (peço desculpa, mas como tive de ler as obras quase todas para a tese, tenho de as utilizar):

Diz o Senhor: «Quem der um copo de água fresca a um destes pequeninos não perderá a sua recompensa». Quanto mais pequeno for este irmão que se acolhe, mais Cristo está presente nele. Tratando-se de um crente e de um irmão na fé, por mais pequeno que seja, é Cristo que entra com ele. Abre pois a porta da tua casa e acolhe Cristo que entra com o teu irmão.

Saibamos nós, também, ter a porta da nossa casa e do nosso coração para acolher aqueles que são os homens e mulheres de Deus do nosso tempo, mesmo que o não aparentem. É Cristo que entra na minha, na tua e na nossa casa: deixemos que ele entre!

Homilia do Domingo XIII do Tempo Comum, Ano A.

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