Economia com Deus?

(O 'post' de hoje é longo, de modo a compensar a minha ausência por estas bandas)

Naquele tempo, Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe: «Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe? Até sete vezes?». 
Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 


Para nós, é mais fácil compreender tudo por invenções humanas e segundo a lógica humana. Entendemos Deus com as nossas invenções, com o que achamos, com os nossos esquemas... Deus é tudo isso, mas é muito mais que isto! Santo Anselmo, na sua obra PROSLOGION resumia Deus nestes termos 'aliquid quo nihil maius cogitari possit', isto é, 'o Ser maior do qual nada pode ser pensado'. De facto, podemos pensar muito em Deus, que Deus é isto, é aquilo, é bom, é mau, é... mas a única certeza é que Ele É, tal como revelou a Moisés, no meio da sarça ardente, ao dizer: «EU SOU AQUELE QUE SOU». Uma vez, numa aula, um professor - já falecido - disse: «Sabem uma coisa? Deus não existe!»
Nós ficamos todos muito admirados porque, apesar de leigo, era uma pessoa crente e muito ligada à Igreja. 
Ele continuou: «Deus não existe, Deus é! Porque, uma coisa que existe, tem princípio e tem fim; Deus não tem princípio - Ele é o princípio - e não tem fim - Ele é o fim último! Portanto, nós existimos, mas Deus é!»

Pensamos Deus a partir da nossa lógica, a partir das nossas concepções que são sempre limitadas e incompletas, no que toca a dizer Deus. Empregamos os nossos esquemas económicos a Deus, mas na banca do Reino dos Céus, o que conta é o Amor. Se percorrermos o Evangelho são poucas as passagens em que Jesus fala de dinheiro e de economia. Talvez a mais conhecida é a do episódio dos fariseus que Lhe perguntam a quem devem pagar o tributo e sabemos bem a resposta: «A César o que é de César, a Deus o que é de Deus». 

Então, quando Jesus diz a Pedro, para perdoar 70x7, não quer dizer 490 vezes. O número 7, no mundo judaico, significa a perfeição, a plenitude. O que Jesus quer dizer é perdoa setenta vezes a perfeição, isto é, o infinito, a plenitude, ou melhor, perdoa sempre!!!

Para Deus, a nossa economia não serve, a nossa matemática não serve, os nossos esquemas são incompletos... 

Ontem, vi no computador de um colega da minha turma, esta imagem (imagem acima) que me fez pensar muito sobre a questão do perdão e do pecado! De facto, o argumento famoso daqueles que não vão à missa é este mesmo: «Não vou à missa porque anda lá muita gente a bater com a mão no peito e depois cá fora...». 

Batemos com a mão no peito, porque nos reconhecemos a nossa fragilidade humana e a nossa inclinação para o mal e, sentindo-nos perdidos, vamos à procura do perdão de Deus. Não somos santos, caminhamos para a santidade! Como? Sendo perdoados e perdoando... É este o remédio espiritual que o Papa Francisco nos quer mostrar, com a convocação da Misericórdia. 

Não tenhamos medo de pedir perdão, Deus não se cansa de perdoar, pois o rosto de Deus é misericórdia...

Para terminar e já que falei em Santo Anselmo, deixo-vos um extracto do primeiro capítulo do PROSLOGION, que constitui uma belíssima oração a Deus e que expressa o mistério do Deus incompreensível:

E agora, ó homenzinho, foge um momento às tuas ocupações, esconde-te um pouco dos teus pensamentos tumultuosos. Atira fora agora os teus pesados cuidados e deixa para depois os teus laboriosos trabalhos.Reserva um pouco de tempo para Deus e repousa n’ele por instantes.

Santo Anselmo de Cantuária
Vitral do King's College,
em Cambridge
“Entra na cela” da tua alma, expulsa tudo, excepto Deus e o que te ajuda a procurá-lo; “fechada a porta”, procura-o! Diz agora, “ó meu coração” todo, diz agora a Deus: “Busco o teu rosto, O teu rosto, Senhor, eu procuro.” E agora, pois, tu Senhor meu Deus, ensina o meu coração onde e como te procurar, onde e como te encontrar. Ó Senhor, se tu não estás aqui, onde te buscarei, ausente? E se tu estás em toda a parte, porquenão te vejo eu presente? Mas certamente tu habitas “a luz inacessível”.
E onde está a tal luz inacessível? Ou de que modo acederei a essa luz inacessível? Ou quem me conduzirá e introduzirá nela, para que nela te veja? Por que sinais, enfim, por que forma, te buscarei? Nunca te vi, Senhor meu Deus, não conheço a tua face. Que fará, Senhor altíssimo,que fará este teu longínquo exilado? Que fará o teu servidor, ansioso do teu amor e atirado para longe “da tua face”? Deseja muito ver-te, mas a tua face está demasiadamente afastada dele. Deseja muito alcançar-te, mas inacessível é a tua habitação. Deseja vivamente encontrar-te, mas não sabe o teu lugar. Dispõe-se a procurar-te, mas ignora o teu rosto. Senhor, tu és o meu Deus, tu és o meu Senhor, e nunca te vi! Tu
me criaste e recriaste, e todos os meus bens me dispensaste e ainda não te conheço! Numa palavra: fui feito para te ver e ainda não fiz aquilo para que fui feito.

Que eu não desespere suspirando, suplico-te, Senhor, mas que respire esperando. O meu coração tornou-se amargo pela sua desolação. Suplico-te, Senhor: adoça-o com a tua consolação. Na minha fome comecei a procurar-te. Suplico-te, Senhor: que eu não acabe em jejum de ti. Faminto, aproximei-me: que eu não me vá embora insaciado. Pobre, vim ao rico; miserável, ao misericordioso: que eu não volte sem nada e desprezado. Ó Senhor, curvado, não posso senão olhar para baixo; levanta-me para que possa tender para o alto. “As minhas iniquidades subiram mais alto que a minha cabeça”, envolvem-me e sobrecarregam-me “como pesado fardo”. Liberta-me, descarrega-me, “para que o sorvedouro delas não aperte a sua boca sobre mim”. Seja-me permitido levantar os olhos para a tua luz, pelo menos de longe, pelo menos das profundezas <do abismo>. Ensina-me a procurar-te e mostra-te àquele que te procura, porque não te posso procurar se tu não me ensinas, nem encontrar-te se não te mostras. Que te busque desejando e te deseje buscando. Que te encontre amando e te ame encontrando. Mas está tão corrompida pela acção dos vícios, tão ofuscada pelo fumo dos pecados, que não pode fazer aquilo para que foi feita se tu a não renovas e reformas.

Não me atrevo, Senhor, a penetrar na tua altura, porque não lhe comparo, de modo nenhum, a minha inteligência. Mas desejo reconhecer um pouco a tua Verdade, que o meu coração crê e ama. Na verdade, não procuro antes compreender para crer, mas creio para compreender. Pois também creio nisto: “se não acreditar, não compreenderei”. 

Pax Christi!

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