Voltar a Deus...

Igreja do Convento de São Domingos de Lisboa
Volto a escrever, hoje, sobre a nossa Igreja Conventual. Todos sabemos que é uma igreja que é diferente em muitos aspectos. Falo disso porque hoje me visitou um recém-arquitecto, do Porto. Como é costume quando me visitam, gosto de mostrar a Igreja, onde vive o Dono da Casa (Jesus) e em torno da qual a nossa vida comunitária gira. 

Há sempre alguma coisa em que se fixam quando entram lá e ficam a gostar de algo, alguns até tiram ideias para projectos ou simplesmente dizem se gostam ou não!

Mas, o mais interessante, talvez, é perceber as sensibilidades do encontro com o Transcendente (falo de Transcendência, porque a pessoa em questão não é cristã e para não ferir susceptibilidades), pois cada um encontra O encontra de muitas formas.

O aspecto que mais frisou - e nem foi do ponto de vista arquitectónico -, foi o facto de haver janelas que dá para o exterior e se vê a luz do dia. A expressão foimais ou menos esta: «Faz-me sentir em Paz, a Luz que entra recorda-me a vida, a alegria e o amor!» Quem é Deus? Não é o Deus da Paz, o Deus da vida? O Deus da alegria? O Deus do Amor (cfr. I João). Um belo encontro com Deus...

Mas bem, o Evangelho de hoje é a Parábola do Filho Pródigo, ou como outros gostam de dizer, do Pai Bom. Nós quem somos, neste Evangelho? O pai, o filho mais novo ou o filho mais velho? É fácil: maioria identifica-se com o filho mais novo, o filho pródigo, porque todos nós temos pecados e nos convertemos diariamente, voltando aos braços do Pai. Porém, falta-nos referir que também temos atitudes do filho mais velho, da incompreensibilidade dos afectos, dos tratamentos. Não compreendemos, muitas vezes, que nós somos os filhos mais velhos, passamos o tempo todo com o Pai, vivemos diariamente na Sua companhia, na Sua presença e, por isso, não compreendemos quando o Pai não nos responde, não nos dá aquilo que pedimos, porque não necessitamos... o único que necessitamos é do Pai...

Quem precisa de mais atenção são aqueles que ainda não o conhecem, aqueles que - mesmo que O conheçam - se afastaram e, por isso, é que nós precisamos de ir ao encontro das periferias do nosso Mundo, aos lugares onde nunca ninguém foi para levar o Evangelho de Jesus e a Sua mensagem. 

Quantas vezes, instamos com o Pai para lhe pedir contas? Quantas vezes na nossa oração nos manifestamos incompreendidos e não beneficiados? Quantas vezes pensamos que Deus não nos ouve?

É preciso entender os sinais e a alegria que é quando um filho volta a casa. Por exemplo, eu quando vou a casa dos meus pais, há alegria, e porquê? Porque voltamos às raízes, às origens... 

Assim, já faz sentido a festa, já faz sentido matar um cabrito e comer à mesa... Há que voltar à vida, àquela paz, enfim... voltar a Deus! 

Não sejamos invejosos porque o Pai se alegra com os pecadores que se convertem, porque «não são os que estão bem que precisam de médico». A nós cabe-nos o encontro com o Senhor...

Termino com um comentário de Santo Agostinho a este Evangelho:

«Vós conheceis à distância o meu próprio pensar. Estais atento a todos os meus passos» (Sl 138, 2-3). Enquanto sou viajante, antes da minha chegada à pátria, compreendeste o meu pensamento. Pensai no filho mais novo, que partiu para longe. […] O mais velho não partiu para longe, trabalhava nos campos, simbolizando os santos que, respeitando a Lei, observavam as práticas e os preceitos da Lei. 

Mas o género humano, que se tinha desviado para o culto dos ídolos, tinha «partido para longe». Com efeito, nada está tão longe daquele que te criou como essa imagem que modelaste para ti. O filho mais novo partiu, pois, para uma região distante, levando consigo a sua parte da herança e, segundo nos diz o Evangelho, esbanjou-a. […] Mas, após tantas infelicidades e tanto abatimento, depois das provas e do desenlace, recordou-se do pai e quis regressar para junto dele. Disse então: «Levantar-me-ei e irei ter com meu pai.» […] Não é verdade que Aquele que abandonei está em toda a parte? É por isso que, no Evangelho, o Senhor nos diz que o pai «foi ter com ele». É que Ele conheceu à distância o seu pensar, pois estava atento a todos os seus passos. Que passos são esses, senão os maus caminhos que ele tinha seguido para abandonar o pai, como se pudesse esconder-se do seu olhar que chamava por ele, ou como se a miséria esmagadora que o reduzira a ser guardador de porcos não fosse o castigo que o pai lhe infligira, a fim de o levar a regressar? […] 

Deus ataca as nossas paixões, para onde quer que vamos, por muito longe que nos encontremos. É por isso que, qual fugitivo detido, o filho diz: «Vós conheceis à distância o meu próprio pensar. Estais atento a todos os meus passos.» Os meus passos, por longe que me levassem, não puderam afastar-me do teu olhar. Tinha andado muito, mas Tu estavas aonde cheguei. Mesmo antes de eu lá entrar, mesmo antes de eu ter começado a andar, já Tu me tinhas visto. E permitiste que seguisse os meus caminhos na dor, para que, se não quisesse continuar a sofrer, regressasse a Ti. […] Confesso a minha culpa diante de Ti: segui o meu próprio pensar, afastei-me de Ti; abandonei-Te, a Ti, junto de quem estava tão bem; e, para meu bem, sofri por me encontrar sem Ti. Porque, se não tivesse sofrido sem Ti, talvez não tivesse querido regressar a Ti.»

Neste tempo da Quaresma, inserido no Ano da Misericórdia, saibamos olhar para os 'filhos pródigos' do nosso tempo com os olhos do Pai bom, tentando contrariar a nossa atitude acomodada de filhos mais velhos!

Bom domingo!

Comentários