O Caminho...
«Tu és o único habitante de Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias».
«Ficai connosco,
porque o dia está a terminar e vem caindo a noite».
«Não ardia cá dentro o nosso coração,
quando Ele nos falava pelo caminho
e nos explicava as Escrituras?».
(Cf. Lucas 24,13-35)
Não, não vou falar da obra de S. José Maria Escrivá, nem do filme, nem muito menos do Caminho Neocatecumenal. Não é esse o Caminho a que me refiro...
O relato dos discípulos a caminho de Emaús não necessita de apresentações porque é sobejamente conhecido por todos. Desanimados, alguns dos discípulos fecham-se nas suas casas, «com medo dos judeus», enquanto que outros põem-se a caminho para a sua terra, já que em Jerusalém tudo parecia ter acabado.
Jesus, sabendo deste sentimento desanimador, coloca-se ao lado deles, não para os experimentar, mas para os acompanhar e explicar o que era verdadeiramente a sua missão. Junta-se a eles no caminho, como um estranho e com eles conversa. Os discípulos não o reconhecem: uns dizem que Jesus teria um aspecto diferente, outros que Jesus se tinha 'disfarçado' e outros, ainda, que Jesus era o mesmo mas que, por causa da tristeza, eles não o reconhecem.
A mim, por força das situações, causa-me espanto as três expressões que os discípulos têm quando falam entre si.
Road to Emaus | J. Richards |
1. A primeira expressão referem-se ao acontecimento Pascal. Aparentemente, Jesus não sabia da história. Os discípulos explicam-na anunciando Jesus, depois contam-lhe o que se tinha passado e, em seguida, partilham com ele o seu desânimo por ser o terceiro dia e nada ter acontecido, tal como Jesus tinha dito.
2. A segunda é um pedido: Fica connosco, Senhor... Quando lia isto só me recordava daquela expressão da transfiguração de Jesus, na qual os discípulos exclamam: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas...». A presença do Senhor dá-nos alento. Eles, que iam desanimados, tristes, sentiram naquele peregrino que se juntou a eles uma presença e por isso pedem a Jesus que fiquem ali. Jesus acede ao pedido e entra com eles.
3. Depois de Jesus ter explicado as Escrituras e partido o pão, eles reconhecem-no. Eles sabem que aquele homem é Jesus, é o Mestre... afinal, aqueles que pensavam ter sido abandonados, foram encontrados e animados por Jesus e como lhes ardia o coração.
Na manhã de Páscoa, Maria reconhece-o pela Voz: «Maria!» e ela respondeu: «Rabunni». Aqui, já não é a Voz, mas a entrega, a Eucaristia que os faz reconhecer o Mestre.
Mas, queria meditar sobre uma realidade que nos devia acompanhar na nossa vida, que é o CAMINHO (ÓDOS, em grego).
A nossa vida é um caminho inacabado, um caminho longo, nem sempre recto, nem sempre fácil. Muitas vezes, este caminho tem pedras, tem espinhos, tem lágrimas, tem desânimo, tem depressões, tem discussões, tem tristeza...
Quem de nós não terá feito a experiência de ter sido abandonado por Deus no seu caminho? Quantas pessoas sentem que caminham sozinhas, no meio de injustiças, depressões, injúrias? Quem de nós não teve a experiência de que Deus cala-se e num silêncio tão ensurdecedor como o ruído?
O caminho... esta realidade tão dura na nossa vida, mas tão necessária. É a vida um caminho largo e contínuo, penoso e acidentado. É a vida uma peregrinação a Emaús ou uma peregrinação ao trono da Graça?
A vida é um caminho... Fernando Pessoa, num dos seus poemas diz: «Pedras no caminho? / Guardo todas, um dia vou construir um castelo…». Não tenhamos medo destas pedras...
Um dia, estava eu desanimado e fui falar com o Mestre. Ele citou-me este verso de Pessoa e explicou: «Tudo depende de como encarares a pedra: Se a vires como uma barreira, então acabou tudo! Se a vires como um obstáculo, tens de pensar como o vais contornar. Aí está o desafio...»
De facto é assim... por mais pedregosa que seja a nossa estrada, não tenhamos medo das pedras, antes aceitemos o desafio que é contorná-las, sem se desviar do caminho, sem ver tudo como uma barreira.
E aí está... esse é o peregrino estranho de Emaús! É aquele que se junta ao nosso caminho, nos explica a situação e nos ajuda a avançar. É esse o verdadeiro Jesus...
A Páscoa é isto, é Luz, é um refazer o caminho da vida à luz de Cristo, o Ressuscitado, aquele que ilumina o passado e nos faz conhecer o presente e que, assim, nos projecta o futuro. A Páscoa é o pôr-se a caminho, porque reconhecemos no irmão o próprio Cristo.
E, tal como os discípulos de Emaús, com o coração incendiado, podemos voltar atrás, sarar o passado e caminhar até ao futuro da nossa existência.
Analisemos o nosso caminho, a nossa vida, a nossa existência, deixemos o nosso coração ser abrasado por esta chama viva que é Cristo e, iluminados por Ele, possamos seguir em frente, anunciando-O.
Bom domingo!
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