A undécima hora da vida

Senhor Jesus Cristo, Pai eterno,
que me chamaste na primeira hora da manhã para a Vossa vinha
e me conduziste desde a minha juventude para trabalhar na vida religiosa,
para obter o denário da vida eterna; Quando vier a tarde do julgamento,
onde dareis aos trabalhadores o seu salário,
que me dareis a mim que estive todo o dia da minha vida ocioso,
não só na praça da vida secular mas, também na minha vida religiosa?
Ó Senhor, que não pesais as nossas acções na balança pública, 
mas na balança do santuário, fazei que eu me arrependa, 
ao menos, na undécima hora e, 
porque Vós sois bom,
que não seja invejoso o meu olhar.
Amén.

S. Alberto Magno, 
Na undécima hora da vida de um pregador. 
ed. Borgnet, t. 13, p.353

A lógica da retribuição, presente em Job e em quase toda a mentalidade judaica, também passou para nós, cristãos, e quase sempre fazemos tudo nesta lógica: «Faço isto... obtenho aquilo». Aliás, algumas orações pedem mesmo para que Deus nos dê segundo as nossas obras... pobres seríamos se assim fosse!

Sabemos o quão difícil é ser-se humilde, porque o nosso ego cega-nos e leva-nos a pensar primeiro em nós mesmos. O bonito disto tudo é quando nos abeiramos de Deus e lhe pedimos perdão pelo bem que não fizemos ou pelo que deixamos de fazer. 

Tenho-me apercebido, cada vez mais, que ser cristão não só é difícil, mas que nos convida ao desprezo de nós mesmos: não temos sempre a razão, não temos sempre a última palavra. Mas devemos respeitar e dar-nos ao respeito e, sobretudo, a não dar o não-dito por dito. 

Qualquer retribuição seria insuficiente para a nossa pobre vida, qualquer retribuição seria injusta... simplesmente não a merecemos por nós mesmos: é Deus quem dá, segundo a sua misericórdia. Viver implica desgaste, envelhecimento, cabelos brancos, perdas, derrotas, vitórias... implica a vida toda. 

Mas, como diz o salmo: «A duração da nossa vida poderá ser de setenta anos e, para os mais fortes, de oitenta; mas a maior parte deles é trabalho e miséria, passam depressa e nós desaparecemos.» (Sl. 90, 10), ou naquelas palavras, que mais não são que um refrão, de Qohelet: «Também isto é ilusão e correr atrás do vento» (cf. Eclesiastes).

A undécima hora, no tempo judaico, é a hora de finalizar o trabalho, de arrumar a tenda e de retornar a casa. O dia judaico começava às 6 da manhã (prima hora) e terminava as 18h (undécima hora). Por isso, a undécima hora é a hora da retribuição, de recolher os cestos, de arrumar a banca, de receber o justo salário e de voltar...

Também na nossa vida somos chamados a voltar, a regressar... somos convidados a entrar no nosso quarto, a descansar, a pôr a render o dia que passou. E aí recebemos... não o que queremos, mas o que Deus nos dá.

E o que nos dá Deus? Agrada-nos sempre? 
Sim, Deus dá... como disse, Deus não dá o que queremos, mas o que Ele mesmo quer e acha necessário. Não precisa de nos agradar, basta abrir as mãos e receber, com uma tal confiança e uma vontade firme de perceber que Deus ali está, que Ele mesmo se dá e dá-se num amor tão grande.

A undécima hora, tempo de aceitar... aceitar TUDO! O bom e o mau... 
A undécima hora, tempo para perceber... perceber o que Deus quer!
A undécima hora, tempo para abraçar... abraçar a Cruz d'Ele e a nossa!
A undécima hora, tempo para se abandonar... abandonar-se nas mãos de Deus!
A undécima hora, tempo para calar... sim, calar e ouvir!
A undécima hora, tempo para renovar... renovar a vida, renovar o compromisso!
A undécima hora, tempo para chorar... lavar a alma com o choro, lavar as injustiças da nossa vida!
A undécima hora, tempo para agradecer... apesar do sofrimento, agradecer! Sim, agradecer sempre!!!

A undécima hora é o tempo para curar feridas, abertas pelo sofrimento, essas chagas fétidas e purulentas que nos levam a afastar de Deus, tempo para receber a lança da vida - dura, fria, afiada -, com todo o sofrimento, com todas as injustiças e injúrias; tempo para deixar que Ele, o bom samaritano, derrame o «óleo da consolação e o vinho da esperança» sobre essas chagas que gritam, que fedem, que doem, que entristecem, que nos fazem gemer sobre elas... 

É a ferida, a dor, o sofrimento que nos tornam mais humanos, que nos fazem amar, tal como dizia o frei Mourão, «ninguém é terno se nunca foi ferido» ou «ninguém consola se também não sofreu». 

Na undécima hora da vida, quando Deus vem fazer morada connosco, dar-nos-á o denário que ele achar, isto é, a Cruz e não o que queremos. Dizia o Papa Francisco: «Deus só nos dá a cruz que somos capazes de carregar». 

Nesta undécima hora da vida, pedimos ao Senhor, que nos dê a cruz, que nos dê a graça de ser mais e melhor, em união com ele. Nesta undécima hora, que ele nos cure as feridas da nossa inveja, do nosso egoísmo, da nossa mesquinhez, da nossa intolerância, da nossa mentira...

«Senhor, tu sabes tudo: tu sabes que te amo!» (cf. Jo. 21) e ao que Ele nos responde: «renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz e segue-Me!» (cf. Lc. 9, 23). 

«Surely he hath borne our griefs», de J. Richards
Senhor, eis-me aqui;
Estou na undécima hora da minha vida, 
cansado, fatigado pelo trabalho, pelo peso do dia e do calor.
Senhor, vê a ferida do meu ombro, vê o quão profunda é chaga, 
vê que já não posso levar mais a cruz sozinho...
Senhor, eis-me na undécima hora da vida, 
profundamente fatigado, muitas vezes desorientado, 
caído no chão, sentindo-me injustiçado pelo que me dizem ou fazem.
Senhor, vê o meu coração que procura ser fiel, 
que procura encontrar-te, que procura amar-te sempre e cada vez mais.

«Meu filho, eis-me aqui, na tua undécima hora, 
eis-me aqui, abraçado a ti, como um pai ao seu filho, 
porque choras? Tem confiança...
Lembra-te: «É na fraqueza que se manifesta o meu poder». 
Confia, eu estou aqui»

Esta semana que se avizinha é a nossa undécima hora, o momento em que repousamos na Cruz redentora de Cristo, momento em que unimos a nossa Cruz à d'Ele e caminhamos passo-a-passo e lado-a-lado...

E tudo isto na UNDÉCIMA HORA DA VIDA...

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