Dedicação da/à Igreja

Envia tua luz e tua verdade: 

que elas me guiem e me conduzam ao teu monte santo e à tua morada! 

Então chegarei ao altar de Deus, ao Deus da minha alegria jubilosa; 

vou louvar-te com a cítara, ó Deus, meu Deus. 

Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te afliges sobremaneira dentro de mim? 

Deposita toda a tua confiança em Deus! Pois ainda o louvarei; 

Ele é a minha salvação e o meu Deus!

[Cf. Sl. 43]

Átrio da Igreja

Fará sentido celebrar as pedras? 

Fará sentido celebrar um edifício? 

Se Jesus disse: «adorarão em espírito e verdade» (cf. Jo. 4, 23), 

continuamos a precisar de edifícios? 

Porque celebramos a dedicação da Igreja?

Acaso celebramos o dia em que estreamos a nossa casa? 

Acaso celebramos o dia em que mudamos de casa? 

Então, que sentido tem celebrar a casa da Igreja?

No étimo grego «εκκλησία» (Ecclesía), temos o sentido daquilo a que chamamos Igreja, ou seja, segundo o étimo Igreja é a Assembleia dos Reunidos. Claro está que, na Grécia, não era referente à Igreja Cristã - nós adoptamos muitas coisas - mas à assembleia civil, na qual se tomavam as grandes decisões da vida política, social e religiosa (da mitologia e do politeísmo). 

Por isso está correcto usar o termo Igreja Católica (enquanto colectividade e conjunto daqueles que professam a fé), mas não é muito correcto aplicar o termo Igreja para designar o edifício. Lembro-me que, no meu tempo de acólito, havia um manual que dizia que devíamos usar a mesma palavra, mas criando distinção, por exemplo: Igreja (enquanto conjunto de fiéis) e igreja (enquanto edifício). 

No ritual do sacramento do Matrimónio, aparece, por exemplo, não a palavra Igreja, mas «Casa do Senhor» (admonição inicial) e «Casa da Igreja» (diálogo antes do consentimento). Este último reclama para si uma identidade que - na minha opinião - parece mais sensata.

É a Casa (lugar) da Igreja (da assembleia, da reunião) e, então, já começa a fazer sentido o celebrar o edifício, a sagração e consagração deste lugar à reunião, à comunhão de vida com Deus e em Deus. 

E porquê todo este discurso, hoje? Perguntarão...

Interior da Igreja

É que dia 30 de Outubro, celebramos a dedicação da igreja do Convento de São Domingos de Lisboa, onde vivo. 

É uma igreja com uma arquitectura contemporânea e diferente da grande maioria das igrejas que vamos conhecendo aqui por Lisboa e por todo o Portugal. Choca a muitos, uns pela positiva e outros pela negativa, mas talvez a ideia seja essa: impactar!

Confesso que, a primeira vez que a vi não me pareceu nada de mais. Vinha de uma realidade diferente, ainda que fosse - e sou - apologista de que a arte contemporânea sirva para dar novo vigor a espaços cultuais. Mas a minha realidade era o Porto em que não há assim muitos exemplos de arte moderna e contemporânea religiosa, ou melhor, eu não conhecia nem frequentava esses exemplos. 

A igrejinha da minha terra é uma igreja do séc.XIX, com ampliações no séc. XX e uma remodelação nos anos 2000. Daí que, quando aqui entrei a primeira vez fiquei com uma sensação de vazio, claro que era um vazio que mais tarde vim a perceber que estava cheio: cheio de luz, cheio de fiéis, cheio de vida e, sobretudo, cheio de Deus. Oh, se estava...

Claustro do Convento

Enfim, aí passamos umas 8 vezes por dia, em pequenos momentos de oração. Alguns irmãos gostam de la ir rezar com mais frequência. Eu prefiro o claustro de onde se tem uma perspectiva diferente da nossa igreja. Eu gosto de pensar que, enquanto caminho no claustro, Ele está ali, voltado para mim e que me vê a caminhar, ou melhor, que caminha comigo e que me segue com o seu olhar atento às minhas preocupações e à minha vida. 

Altar e Coro dos Frades

Mas bem, apesar da estrutura fantástica da igreja, gosto particularmente da sensação de transcendência que ali se vive, a luz que entra, o altar centrado, o despojamento, a altura das paredes (25m), a abertura para o claustro, enfim... todos estes elementos nos levam a ultrapassar as fronteira dos olhos humanos e experimentamos aquela sensação do «todo de Deus».

A Igreja é dedicada a Cristo, tem como Padroeiro Principal N.P.S. Domingos e como co-padroeiros os mártires do Vietnam (Santos Pedro Sanz, Melchior García Sampedro e Pedro Almató), cujas relíquias, devidamente autenticadas, se conservam debaixo do altar. 

Sanca de luz natural 

Mas bem, centremo-nos, de novo, na festa da dedicação. Faz sentido celebrar um edifício na medida em que nós fazemos dele parte e não como meras pedras, mas como pedras vivas, como pedras que se movem no mundo, que impactam a vida dos outros, pedras que falam mais alto que a voz (pelo exemplo), pedras que vivem no mundo, mas representado o além-mundo. É isso que nós somos... 

Então, faz sentido celebrar o lugar da re-união das pedras vivas, junto da Pedra Angular. É, neste edifício que somos polidos, que se limam as nossas arestas para formarmos a bela construção, uma construção ajustada e que nos vamos tornando um edifício cada vez mais belo. 

«Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?» (cf. I Cor. 3, 10). Por isso, quando celebramos a dedicação da igreja, celebramos a comunidade que ali se reúne. Só assim faz sentido... 

Só a nossa dedicação à Igreja justifica a celebração da dedicação da igreja. Por isso, dediquemo-nos, em espírito e verdade a ser estes templos de Deus, nos quais o Espírito de Deus habita e, assim, seremos templos vivos dedicados e consagrados ao Senhor.

E, claro está, sintam-se convidados a visitar este lugar e, sobretudo a rezar nele...

Bom Domingo!