Combate ou missão?

Fr. Couturier e o Arq. Le Corbusier
Acabei de ler hoje um livro muito interessante sobre um frade dominicano e sobre a sua veia artística e defensora da arte, que um irmão aqui de casa me recomendou. 

 O livro intitula-se Marie-Alain Couturier, un combat pour l'art sacré. O livro é interessante e conta a resistência eclesial e social que este frade teve que atravessar para defender a arte sacra, mas não uma arte sacra qualquer: a arte sacra moderna! 

Quando entrei na Ordem, foi-me dito que nos Dominicanos há lugar para todas as sensibilidades, não esquecendo a missão que temos: a pregação! Seria muito redutor catalogar e reduzir a pregação à homilética, pois a pregação primeira é a vida. 

Ora, este frade dominicano pregou pela arte e pelo seu combate pela arte sacra moderna que, ao seu tempo, não era bem vista face aos modelos e esquemas de arte existente. Porém, foi capaz de lutar e de avançar nos seus projectos, trabalhando com grandes arquitectos como Le Corbusier ou Matisse. 

Não sou um 'expert' em arquitectura, mas gosto e aprecio e, sobretudo, leio algumas coisas sobre arquitectura. Por isso, não pensem que o meu objectivo é fazer uma explanação arquitectónica, mas é apenas e só uma reflexão pessoal.

Vista aérea do Convento de La Tourette
A maior obra que ele defendeu foi o Convento de Notre Dame de La Tourette, em França. É uma obra conhecida e desconhecida, ao mesmo tempo: conhecida por ter quebrado o esquema arquitectónico vigente e desconhecida, porque se foi colocando outras igrejas à frente estudando-as mais. 

O Convento onde vivo tem, também, alguns ares dessa mudança de estrutura e paradigma arquitectónico, coisa que os dominicanos - diga-se de passagem - foram pioneiros. O Concílio Vaticano II afirma:

“A Igreja deve reconhecer as novas formas artísticas, que se adaptam às exigências dos nossos contemporâneos. Sejam admitidas nos templos quando, com linguagem conveniente e conforme às exigências litúrgicas, levantam o espírito a Deus.
Deste modo, o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado; a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos homens e aparece como integrada nas suas condições normais de vida“ (GS 62). 

Ora, o Convento e o movimento francês de renovação da arte cristã começou muito antes do Concílio Vaticano II e eu pergunto-me: terá o Concílio dado uma resposta a este movimento? 

Capelas laterais (sinal do pré- Concílio)
O que é certo é que, ainda hoje, a arte moderna nas Igrejas é incompreendida e acusam-na de ser nihilista, de ser minimalista, de não conservar o Mistério, de não contar uma história. Eu, pelo contrário, acho que é bom esvaziar o que é acessório para nos adentrarmos mais no Mistério, no silêncio, na contemplação, sem distracções. É belo o sentimento do vazio numa Igreja que vai sendo preenchido à medida em que contemplamos e nos colocamos em oração... é muito belo!

Quero muito ir àquele Convento, como já tive o desejo de ir ao Convento de Toulouse e já matei a curiosidade. Vamos lá ver se a vida proporciona tal viagem...

A vida de um convento gira muito em torno de um espaço: o sítio onde a comunidade mais se reúne, isto é, a igreja e é onde, praticamente, as pessoas nos visitam. Por isso, a igreja é sempre o cartão de visita de uma comunidade... Tenho feito a experiência de ter alguns amigos que vêm à missa e me dão um 'feedback' do que acharam da igreja, uns positivos, outros nem tanto, dependendo das sensibilidades. 

Interior da Igreja
Mas eu olho para La Tourette com olhos de quem ali vive e de quem ali passa algum tempo do seu dia. A sensação que tenho é a de que, se não nos agarramos ao essencial, não nos irá gostar. Porém, imaginar La Tourette numa colina, rodeada da natureza e entrar ali e ter um sítio tranquilo, onde se ouve mais os pássaros do que os carros, para mim é, de imediato, um convite à oração, à reflexão, ao encontro. 

Uma outra dimensão é a de não ser um convento tradicional: um claustro, no qual tudo se desenvolve: sala do capítulo, igreja, refeitório, etc... Mas um convento atípico que causa sensação e torna-se um sinal contraditório no meio de um mundo que quer reconhecer, de imediato, o que é este ou aquele edifício. Neste sentido, La Tourette engana-nos!!! 

Mas sim, tem claustro, tem igreja, tem sala do capítulo e refeitório. Tem todos os espaços de referência e que uma vida comunitária requer, mas desconstruídos e reformulados, o que chama à atenção de quem olha. 

Interior de um quarto
Obviamente que as imagens que aqui coloquei não dão conta do que é aquele espaço de La Tourette, no seu todo e no seu auge. Por isso, aqui deixo um vídeo, em Espanhol, sobre o Convento e com imagens na altura da inauguração (preto e branco) e do ano de 2002 (a cores). Vale a pena ver o vídeo AQUI (clicar)

Mais uma vez digo que não sei nada de arquitectura, mas olho assim para uma arte sacra que foi difícil de implementar, mas que hoje continua a provocar e a desafiar, continua a provocar sensações e sentimentos... é isto a experiência estética. 

Que hajam muitos mais frades, padres, leigos empenhados em expressar o Mistério de Deus, através da arte...

E que nós sejamos capazes de contemplar a beleza e, atavés dela poder chegar ao Mistério.

Mas a questão que me faço e que a deixo aqui é: Será que o fr. Marie-Alain Couturier travou um combate ou apenas levou a cabo a sua missão?

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