800 anos outra vez

Se, em 2016, celebramos os 800 anos da Fundação da Ordem dos Pregadores, através da Bula Religiosam Vitam, do Papa Honório III, este ano é motivo de mais uma celebração: a dos 800 anos da Fundação do Convento. 

Se fossemos a comemorar todas e cada uma das datas, haveriam, de certeza, muitas comemorações a fazer, mas vou cingir-me à Fundação do Primeiro Convento Dominicano em Portugal. 

Há muitas lendas que procuram atestar a fundação de um convento dominicano no cimo da serra de Montejunto, mas não há registos históricos suficientes para comprovar que isto tenha sido verdade, sobretudo porque os estudos arqueológicos datam as ruínas por volta do séc. XVIII. Logo aqui vemos que há uma grande dificuldade em definir a construção de um convento em 1218. Mesmo assim, os dominicanos visitaram este lugar emblemático no passado sábado, procurando redescobrir a sua história e redefinir a sua presença em Portugal. 

Fr. Soeiro Gomes,
de Alfredo Roque Gameiro
Mas, antes disso, façamos um ponto prévio e explicativo: em Agosto de 1217, S. Domingos dispersa os seus frades, em Prouille, para que fossem estudar e fundar conventos. Enviou alguns para Paris, outros para Toulouse, outros, ainda, para Espanha (melhor dizer Hispania ou Península Ibérica). Entre estes últimos está o português frei Soeiro Gomes, que fez parte da primeira geração de dominicanos, encabeçada pelo próprio São Domingos de Gusmão. Não se conhece o que o levou a juntar-se à Ordem, nem o que o terá levado a Toulouse, mas os relatos da época já fazem menção deste frade no originário grupo de 16 frades. 

O que aponta, então, para a fundação de Montejunto? 

Os filhos do Rei D. Sancho I (Afonso, Mafalda, Teresa e Sancha) estavam envoltos em conflitos internos, já que D. Sancho tinha legado, em testamento, o título de raínhas. Este conflito teve a sua resolução por intervenção papal (Inocêncio III), através de um interdito. Assim, Afonso II tomou as funções reais, tendo de pagar as respectivas desarmonizações às infantas e elas ficaram apenas com os títulos dos terrenos que possuíam: Montemor-oVelho, Seia e Alenquer.  

Convento de Montejunto - Corredor
A Beata Sancha, recebeu o foral de Alenquer, em 1212, o que a tornou Senhora de Alenquer. Segundo nos foi dado a conhecer, D. Sancha era muito devota da vida religiosa e terá doado alguns bens e terras para a construção de conventos nos seus territórios e, apenas por aqui, se consegue ver alguma ligação entre os dominicanos em Montejunto, já que a dita serra ficava nos seus territórios. 

Uma outra nota refere que, no alto da serra de Montejunto, havia uma ermida, associada ao culto mariano, de Nossa Senhora das Neves e há quem aponte que, devido a esta presença mariana no monte, os frades tenham ido para lá. Porém, o único elemento dominicano naquela ermida é um painel em azulejo datado do século XVIII, com uma representação de S. Domingos e Nossa Senhora. 

Contudo, como dizia um dos irmãos, no passado sábado, «é estranho que a Ordem se tenha fixado num local tão isolado da cidade, já que nasceu para a evangelização dos grandes centros urbanos». 

Frei Luís de Sousa, em História de São Domingos, escreve uma crónica da fundação deste convento em Montejunto mas, segundo os historiadores, esta crónica é quase que cópia da crónica da fundação do Convento de Segóvia (Cueva de Santo Domingo), escrita por Fr. Fernando de Castillo, que é anterior à de Fr. Luís de Sousa. 

Painel de Azulejos com S. Domingos e N. Senhora
Interior da ermida
Em 1221 (data da morte de S. Domingos) esta comunidade translada-se para Santarém, tornando esta cidade no berço do dominicanismo em Portugal. Com esta transladação, é eleito provincial da Península o Fr. Gil de Vouzela ou de Santarém. 

Como vemos, a Península Ibérica formava uma só província da Ordem, pelo menos até 1418, quando o Papa Martinho V, com a Bula Sacrae Religionis, na qual se reconhece a autonomia da Província de Portugal. [Também celebramos 600 anos da elevação de Portugal a Província]. 

A visita a Montejunto...

Assim, os Dominicanos (frades, irmãs, leigos e amigos) rumaram, no passado Sábado, a Montejunto para conhecerem as ruínas do suposto primeiro convento dominicano em Portugal. O Arqueólogo que nos acompanhou, explicava o dia-a-dia daquela primitiva comunidade e o que significava cada uma das áreas: o dormitório, o refeitório, as cavalariças, a portaria, a igreja e o caminho que ligava o convento à vila mais próxima. 

Pelo estilo, poder-se-ia dizer que teria sido dominicano: austero, simples, arquitectura despojada. Porém, tudo é datado do século XVIII, o que nos leva a tirar duas grandes conclusões: a primeira é que o convento primitivo terá sido destruído e, a segunda, é que terá sido abalado pelo terramoto de 1755 e o que ali vemos é uma reconstrução do mesmo. 

Poços neveiros
Real Fábrica do Gelo
Fomos ainda, já que ficava a caminho, visitar a Real Fábrica do Gelo. Uma visita interessante, fora do âmbito da história da Ordem, mas sempre um motivo de aprender coisas novas sobre o modo como viveram os nossos antepassados. Isto foi da parte da manhã!

Da parte da tarde, fomos recebidos pelo Presidente da Câmara Municipal do Cadaval e, no auditório, foram proferidas três conferências: uma sobre a presença dominicana em Portugal, focando a fundação de Montejunto; outra sobre uma das figuras dominicanas mais emblemáticas, o Fr. Luís de Granada, ressaltando aspectos menos conhecidos deste frade dominicano e, por fim, uma outra sobre os dominicanos ontem e hoje.

Comemorar estas datas, não é só recordar o passado glorioso da Ordem, muito menos projectar os nossos anseios do futuro incerto. Para mim, é um revisitar as fontes da vida dominicana em Portugal, procurando redescobrir modos e maneiras para se repensar a presença dominicana em Portugal: os métodos, as formas, as presenças, o estilo... enfim perceber como é que, no presente, podemos construir um futuro, sem esquecer o passado. 

Por isso, celebrar os 800 anos da fundação do primeiro convento dominicano e os 600 anos da fundação da província de Portugal é perceber o que podemos fazer hoje para continuar a aventura que aqueles primeiros irmãos pregadores começaram.

Por fim, foi um dia agradável, de convívio e de estudo, com toda a família dominicana e com todos aqueles que a nós se juntaram e juntam. 



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