Tempo da Igreja, o nosso tempo!

Ascension of Christ, de Rembrandt van Rijn
Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: 
«Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura».
E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, 
foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus. 
Eles partiram a pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles, 
confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam. 

O Evangelho de Marcos, como já disse em alguma das publicações, tem duas conclusões e termina de forma abrupta: as mulheres vão ao sepulcro, não encontram o corpo de Jesus e há um silêncio que reina na terra. 

Há exegetas que não consideram, sequer, a parte final do Evangelho de Marcos, aquela que hoje escutamos. Por exemplo, o Fr. Joseph-Marie Lagrange diz que não há base para afirmar que os versículos finais do capítulo 16 são parte do Evangelho de Marcos. Recentemente, o tradutor Frederico Lourenço não traduziu a parte final deste capítulo. Há uma grande discussão neste sentido. 

O que é certo é que estes versículos finais são um acrescento eclesial (da Igreja Primitiva, entenda-se) para manifestar o tempo da Igreja e, assim, dar continuidade ao Evangelho. Para mim, estes versículos são a conclusão de uma etapa (Carismática) e o início de uma outra etapa (Kerygmática). 

No Evangelho de Marcos, a palavra μνημειον (mneméion) tem duas traduções possíveis: a primeira é monumento/sepulcro e a segunda é memória. Jesus, então, foi colocado no sepulcro, mas esse sepulcro é a memória dos que com Ele viveram. 

Por isso, o sepulcro não é o fim, mas é o início do anúncio e da rememoração de Cristo que vive não fisicamente (como Jesus da história), mas na memória da comunidade cristã. Um irmão cá de casa diz que «a maior relíquia que Jesus nos deixou não é o sudário, a cruz, os espinhos ou os pregos, mas a Comunidade Cristã que perpetua a presença de Jesus». De facto, neste sentido, o nosso frei tem toda a razão: é a Igreja a melhor relíquia de Cristo.

Mas, hoje, celebramos a Ascensão do Senhor. Ao longo desta semana, quem teve oportunidade de ir à missa durante a semana, escutou o Evangelho de S. João e os chamados discursos de despedida. São difíceis de comentar e exigem uma reflexão mais profunda e a liturgia escolheu retirar um ou dois versículos para o fazer render até à Ascensão. Mas, no fundo, eles são a promessa daquilo que hoje celebramos. 

Jesus deixa claro que não ficará muito mais tempo com os seus discípulos e alerta-os para a vinda do Espírito, que os consolará, que os assistirá e acompanhará na sua missão. Por isso, Jesus sobe ao Céu para que nos possa enviar o seu Espírito. 

Claro que, quando gostamos de alguém, é-nos difícil deixá-la partir, mas sabemos que a vida é feita de idas e vindas, de passagens e permanências e que, por isso, há um movimento contínuo que não nos deve paralisar, mas que nos deve fazer avançar, porque nos sabemos assistidos e amparados. 

Jesus, hoje, põe fim ao Seu tempo para dar lugar ao tempo da Sua Igreja a quem envia: «Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura». É o tempo da Igreja, é o nosso tempo. Não podemos ficar a olhar para o alto, como nos relata os Actos dos Apóstolos, mas temos de nos fazer à vida, temos de nos sentir parte desta acção que o Espírito em nós realiza. Não somos espectadores, observadores, somos participantes da história da Salvação e, como tal, enviados. 

E qual é a nossa Missão? É fazer presente na vida dos outros, através da nossa própria vida, a memória de Jesus. Não deixemos que Jesus seja colocado no sepulcro, mas que seja depositado na memória para que possa ser anunciado.

Que este dia da Ascensão do Senhor nos recorde a nossa missão é a de anunciar o Evangelho sempre e em toda a parte, guiados e auxiliados pelo Espírito. 

Bom Domingo!

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