O sonho que transforma

Hoje, ao pequeno-almoço, surgiu - por motivos não muito filosóficos - o tema do sonho. E aí sim, filosofamos sobre o que seria o sonho e como nos ajuda a manter viva a chama que nos alenta o caminho.

Para rematar, lançamos o poema muito conhecido - não sei se a geração do terceiro milénio já aprendeu este poema - de António Gedeão, na voz de Manuel Freire. Falo, claro está, da Pedra Filosofal.

É o sonho que comanda a vida, é ele que nos faz pensar no que temos pela frente e ilude as nossas asperezas e pedras do caminho para que as possamos superar e contornar.


Aliás, a própria ideia de pedra filosofal é um sonho. Uma pedra que tudo o que toca se transforma, a ideia de algo que transforma a realidade. A pedra filosofal, segundo os alquimistas, era uma pedra que tinha a capacidade de transformar tudo o que tocasse em ouro. Isto, por si só, é um sonho...

Sem mais, aqui o deixo... Gosto dele e gosto de o ouvir cantado!




Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

in Movimento Perpétuo, 1956

E que o mundo seja nas nossas mãos uma bola colorida, que saibamos ter mãos de criança,  simples e que encaremos o mundo nesta simplicidade... Assim poderemos ver o mundo não como uma bola cinzenta, mas colorida e cheia de vida.

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