Amar as ovelhas


«Eu sou o Bom Pastor. 
O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas».

O Evangelho de São João é, sem dúvida, um Evangelho especial. Não é de tradição petrina (ou judaica), não é de tradição helénica, mas inaugura uma nova tradição, a tradição mistagógica. Este Evangelho procura mostrar Jesus Cristo (= Messias) e temas como o amor, os antagonismos e os paralelos são coisas que tornam o Evangelho de João diferentes e, por isso, especiais. 

Por isso, ao ler este Evangelho encontramo-nos com umas das maiores características, que é a expressão «Eu sou...» (ἐγώ εἰμι). Se folhearmos este Evangelho encontraremos vinte e quatro vezes esta expressão. Esta expressão não é nova para nós, sobretudo quando nos deparamos com o Livro do Êxodo e aí encontramos a expressão «Eu Sou aquele que sou!» (cf. Ex. 3, 14) ao falar do próprio Deus que se revela a Moisés. Também em Isaías há a menção de que Deus deve ser conhecido por «Eu sou». (cf. Is 41,4; 43,10; 46,4).

João preocupa-se, antes de mais, em afirmar que Jesus é o Messias, o cumprimento de todas as promessas que Deus faz ao Seu Povo no Antigo Testamento e, por isso, Jesus faz a sua auto-apresentação: «Eu Sou...».

O bloco central do Evangelho de São João é o destes discursos que Jesus faz ao começar com esta expressão messiânica:

Jo. 6, 48: «Eu sou o Pão da Vida».
Jo. 8, 12: «Eu sou a Luz do Mundo».
Jo. 10, 9: «Eu sou a Porta».
Jo. 10, 14: «Eu sou o Bom Pastor».
Jo. 11, 25: «Eu sou a Ressurreição e a Vida».
Jo. 14, 6: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida».
Jo. 15, 5: «Eu sou a Videira e vós sois os ramos».

Como vemos, é neste bloco central que Jesus se manifesta como sendo, por meio de imagens, o Messias prometido. 

Hoje, Jesus apresenta-se como o Bom Pastor. Esta linguagem pastoril hoje já não terá tanto sentido, já que vivemos entre prédios de betão, os jardins são mínimos, reina a estrutura e não a actividade humana. Se nos retiramos para o interior do país vemos, ainda, esta linguagem em prática; vemos o pastor com as suas ovelhas, protegendo-as e conduzindo-as, orientando-as e alimentando-as. É isto que Jesus nos quer mostrar. 

Mas o Evangelho não mostra apenas que o Pastor cuida, mas que dá a vida. É algo muito mais profundo que cuidar das ovelhas, mas é um cuidar levado à perfeição, isto é, um cuidar que leva à dádiva da vida. E esta dádiva da vida não é por um conjunto de ovelhas, mas por todas e cada uma delas, pois conhece-as pelo nome e sabe o que cada uma delas precisa. 

Depois, o Evangelho continua por dizer que há uma diferença entre o mercenário e o pastor. O pastor cuida das ovelhas, protege-as dos lobos, mas o mercenário preocupa-se apenas em vendê-las e ficar com o seu lucro. Há uma grande diferença entre cuidar das ovelhas e cuidar dos negócios... 

Desta linguagem, podemos tirar algumas ideias: 

1. Jesus é o Bom Pastor. Ele conhece-nos pelo nome, não somos apenas um número, mas somos uma ovelha querida por Ele e, por isso, vai ao encontro dela, cuida dela, protege-a, ama-a... Este é o Bom Pastor.

2. O Bom Pastor e o Mercenário. Ser um bom pastor é seguir o exemplo de Jesus, o Bom Pastor, que dá a vida pelas ovelhas. Porém, alguns que se apresentam como bons pastores, são mercenários: não querem o bem das ovelhas, mas tirar delas o seu lucro. Quantos lucros são tirados das pessoas que nada têm? Quantos mercenários lucram com os pobres? Quantos mercenários, vestidos de pastores, querem apenas o lucro e não olham a meios para alcançar os fins? 

3. Eu conheço as Minhas ovelhas e elas conhecem-Me. O conhecer tem que ver com a intimidade que temos entre nós, ovelhas, e Jesus, o Bom Pastor. Não basta ter um Pastor e não basta ter um Rebanho. É preciso que as ovelhas conheçam o seu Pastor e é preciso, sobretudo, que o Pastor conheça as suas ovelhas. É um conhecimento mútuo... Quantos pastores não conhecem as ovelhas e, pior que isto, não se esforçam por conhecer. São pastores estáticos, à espera que as ovelhas precisem e venham ter com eles, pensando que é assim que se conhece as ovelhas. Não! Conhecer as ovelhas é ir ao seu encontro, é cuidar delas, mesmo que elas peçam ajuda, é estar atento, mesmo que elas não demonstrem necessidades. 

4. Outras ovelhas que não são deste redil. Muitos interpretam este trecho como que um apelo à conversão dos gentios. Mas não é preciso que se convertam, é preciso que haja quem lhes anuncie a Palavra de Deus, mesmo que esse esforço não venha a ser reconhecido. É preciso que demos provas do que somos, é preciso que testemunhemos a nossa condição de Filhos de Deus. Sem testemunho, sem anúncio da Palavra, sem exemplo de vida não poderá haver conversão.

5. Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la. Nunca se perde nada, tudo se ganha. Tudo depende do modo como encaramos a vida. Dar a vida é ter a certeza que estamos a renascer, porque ganhamos a recompensa maior de todas: estar no amor e no coração do Pai! Assim, já conseguimos entender que Jesus não tem medo da morte, mas Ele veio para dar a vida em resgate, para dar a vida como oferta gratuita, deixando-nos o exemplo. 

Por fim, rezemos pelas vocações, pelos padres, pelos bispos e por todos aqueles que estão chamados a ser verdadeiramente pastores para que aprendam a dar a vida pelo rebanho que lhes foi confiado. 

Bom Domingo.

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