Reconhecer Jesus na intimidade!

J. K. Richards

A paz esteja convosco!
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo; 
tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho». 
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 

Ao longo deste tempo Pascal, até à Ascensão, vamos ouvir os vários relatos das aparições do Ressuscitado, onde Jesus aparece aos Discípulos que, cheios de medo, se encerraram nas suas casas. 

Um grupo de jovens escreveu-me a dizer que existia uma espécie de contradição entre os relatos do Evangelho e dos Actos dos Apóstolos: no Evangelho, os discípulos encerram-se em suas casas e aí lêem as Escrituras e celebram o Ágape; nos Actos dos Apóstolos aparecem cheios de vigor e felizes por serem ultrajados pelo Nome de Cristo. Mas esta é uma contradição aparente porque, ao contrário do que acontece no Evangelho, nos Actos dos Apóstolos já tinha acontecido o Pentecostes. Então, estes textos que vamos escutando ao longo do tempo Pascal, sobretudo à semana, dão-nos conta do que era a Igreja sem o Espírito (dominada pelo medo) e com o Espírito (alegre e disposta a dar tudo por Cristo). Ou seja, o Espírito Santo dá-nos a capacidade de arriscar tudo, até a própria vida, pelo anúncio do Evangelho. 

Mas centremo-nos no relato de hoje. É mais uma aparição de Jesus no meio dos seus discípulos que, com medo dos judeus, andavam meio perdidos e desanimados. Jesus vem trazer, para o meio deles, a Paz, que é Ele mesmo. 

«A paz esteja convosco!». Contra todo aquele medo de sofrerem o mesmo suplício que Jesus, os apóstolos foram-se retraindo, deixando mesmo de anunciar a Boa Nova. E eis que Jesus traz a paz aos seus corações que, julgando ser um fantasma, porque não conseguiam desligar-se da tristeza de já não O ter com eles, assustaram-se. 

Depois mostrou-lhes as mãos, os pés e o lado. De facto, o Jesus glorioso não é diferente do Jesus que foi crucificado. A Paixão de Jesus é o acontecimento base para a fé em Cristo, pois da Sua entrega voluntária, nasce a Igreja, nasce a Vida, nasce a Paz. Assim, não se pode ver Cristo glorioso sem o ver na Cruz, sem ver as suas mãos e os seus pés, sem o reconhecer como Aquele que foi crucificado por nós! 

Por isso, Jesus apresenta-lhes as marcas da Paixão para que possam reconhecer naquele Glorioso, o Servo de YHWH que se entregou na Cruz. 

Mas, nem mesmo assim, os discípulos o reconheceram. Continuavam amedrontados com aquela presença de Jesus. Jesus percebe que não é com isto que os convencerá e então faz o que tantas vezes deve ter feito com eles: sentar-se à mesa!

Jesus cria o ambiente familiar, reunidos à volta da mesa para uma refeição, explica-lhes as Escrituras e reparte o pão e eis que se lhes abre o entendimento e aí reconhecem Cristo. É a grande revelação que Jesus faz. 

A este propósito partilho uma experiência: conheço um casal lá da terra que tem uma boa casa. Nessa casa existem duas cozinhas e duas salas de refeições (uma oficial e outra mais rústica). Fui muitas vezes jantar a casa deles, mas só me levavam à sala oficial, que era fria, escura, como que sem actividade e nunca me senti «acolhido» naquele espaço e as conversas eram interessantes, mas num tom muito formal. Um dia, lá fui a casa deles e eis que me levaram à cozinha rústica, que ficava por trás da casa. Aí sim, uma sala aquecida pela lareira, uns sofás confortáveis, uma mesa simples mas bem arranjada e aí fluíram temas de conversa, partilha da vida, experiências. É claro que nunca mais jantei com eles na sala oficial, já que preferíamos aquele outro ambiente mais próximo e acolhedor.

Isto para dizer que é no ambiente familiar que somos capazes de estar à vontade, somos capazes de partilhar, de ter uma conversa informal, que somos capazes de nos desvelar. Por isso, Jesus cria esse ambiente para que os discípulos pudessem entender que era mesmo Ele, aquele que esteve com eles e lhes partiu o pão e a quem eles amavam. 

Então aqui surge uma relação importante: Cruz e Eucaristia. Uma leva à outra, as duas se complementam, as Cruz recorda-nos a oferta de Jesus, a Eucaristia celebra-a. Uma das leituras que fizemos na Semana Santa dizia: «da Cruz saiu Sangue e Água; não somente sangue, mas Sangue e Água [...] Sangue porque Ele nos deu a Eucaristia, Água em sinal do Baptismo». Quase todos os relatos que ouvimos nestes dias de Páscoa, falam-nos de uma mesa ou de uma refeição, já que é na refeição, no partir e no repartir o pão que reconhecemos Jesus, nossa Páscoa e nossa Paz. 

Creio que a informalidade nos faz muito mais humanos e abertos. Quantas vezes, na informalidade, nos damos a conhecer e criamos grandes amizades? Quantas vezes, na informalidade, discutimos assuntos tão ou mais importantes que numa conferência ou num curso? Muitas vezes temos medo de perder o respeito por ser informais, por sermos próximos daqueles que nos escutam e então vestimos a capa dos títulos que, em vez de criar proximidade, só criam distância. Uma das maiores surpresas que encontrei na Ordem foi ver que existem grandes nomes de teólogos, de filósofos, de intelectuais, mas que, quando os encontramos e conhecemos, são pessoas muito humildes e simples, que se deixam tratar por tu e que nos falam da sua vida com naturalidade.

Não tenhamos medo de nos sentar à mesa, de criar este ambiente informal e familiar para conseguirmos abrir os olhos à presença de Jesus no outro. Esforcemo-nos por ser mais próximos dos outros, deixando títulos e roupagens para sermos um com os outros, assim como Jesus foi um entre os discípulos e, deste modo, conseguiremos que, entre nós, habite a paz que Jesus nos dá! 

Bom domingo!

Comentários