Crisóstomo (Boca d'Oiro)

A Igreja celebra, hoje, mais um grande santo que, para mim, sempre teve um significado especial. Falo, claro está, de São João Crisóstomo (Boca d'Oiro) ou Crisólogo (Palavra d'Oiro). É o Padre da Igreja que mais admiro e por isso dediquei um dos meus trabalhos académicos ao estudo dos seus escritos. 

Não é o nome do santo, mas o nome que lhe deram, porque realmente a força da sua palavra é realmente de ouro, ainda como presbítero. 

Quando morreu o Patriarca de Constantinopla, o Imperador (Bispo dos Assuntos de Fora, como diziam na mentalidade cristã da época) nomeia João Crisóstomo para ocupar a Cátedra de Constantinopla. Nem sabia o imperador no que se ia meter...

As suas homilias, aquando a chegada a dita Cátedra, eram de carácter moral e social, atingindo as classes mais altas e favorecendo os mais humildes e pobres, basta recordar a famosa Homilia 50 sobre o Evangelho de São Mateus: ««Não o honreis aqui com vestidos de seda e fora o deixeis perecer de frio e nudez.», por exemplo.

Claro que a classe política e nobre não gostou deste tipo de homilias e, por isso, pediram o exílio de João Crisóstomo, o que, de facto, veio a acontecer. Foi exilado, mas a sua pregação não pode calar-se e continuou a fazê-lo, mesmo do exílio. Trocava cartas com a comunidade de Constantinopla a dizer que pregava, nem que fosse para as rochas das montanhas que o rodeavam, na Arménia.

Então, o povo de Antioquia ia em peregrinação ao sítio onde o Bispo se encontrava exilado para ouvir as suas pregações e, por isso, eram multidões que se deslocavam. O Imperador não gostando desta atitude e querendo por ordem na situação, envia-o para outra terra a fim de proteger aquele que passou de odiado a amado. Contudo, o santo não aguenta e acaba por morrer na viagem.

O Imperador ordena que tragam o seu corpo para Constantinopla e recebe-o com trajes de luto, pedindo desculpas publicamente pelas penas que Crisóstomo teve de suportar, apenas pela ignorância do dito imperador. Foi, com honras, enterrado na Igreja dos Apóstolos.

A obra de São João Crisóstomo é vastíssima, é uma descoberta apaixonante do amor que ele tinha pela Igreja e pela Palavra de Deus. Entre cartas, catequeses, homilias, sermões, tratados... muito vasta e admirável.

São Tomás de Aquino, conta uma lenda, ao aproximar-se de uma grande cidade, acompanhado por alguns irmãos, parou. Um dos irmãos disse: «Frei Tomás, que bela cidade! Dava tudo para viver nela!». São Tomás respondeu-lhe: «Não! Nenhuma beleza e nenhuma riqueza eu queria, a não ser ler as homilias de São João Crisóstomo!».

Quase que se poderia dizer que João Crisóstomo é o patrono dos pregadores, daqueles que se esforçam por comunicar e actualizar a Palavra de Deus aos irmãos, alertando-os para as necessidades do mundo actual. 

De tantas homilias que poderia eu colocar aqui, coloco uma sobre o martírio, numa tradução em Português do Brasil (Hom. 62, Sobre o Evangelho de São Mateus):

"Os filhos de Zebedeu pedem a Cristo: Deixa-nos sentar um à tua direita e outro, à tua esquerda (Mc 10,37). Que resposta lhes dá o Senhor? Para mostrar que no seu pedido nada havia de espiritual, e se soubessem o que pediam não teriam ousado fazê-lo, diz: Não sabeis o que estais pedindo (Mt 20,22), isto é, não sabeis como é grande, admirável e superior aos próprios poderes celestes aquilo que pedis. Depois acrescenta: Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? (Mt 20,22). É como se lhes dissesse: “Vós me falais de honras e de coroas; eu, porém, de combates e de suores. Não é este o tempo das recompensas, nem é agora que minha glória há de se manifestar. Mas a vida presente é de morte violenta, de guerra e de perigos”.
Reparai como o Senhor os atrai e exorta, pelo modo de interrogar. Não perguntou: “Podeis suportar os suplícios? podeis derramar vosso sangue? Mas indagou: Por acaso podeis beber o cálice? E para os estimular, ainda acrescentou: que eu vou beber? Assim falava para que, em união com ele, se tornassem mais decididos. Chama sua paixão de baptismo, para dar a entender que os sofrimentos haviam de trazer uma grande purificação para o mundo inteiro. Então os dois discípulos lhe disseram: Podemos (Mt 20,22). Prometem imediatamente, cheios de fervor, sem perceber o alcance do que dizem, mas com a esperança de obter o que pediam.
Que afirma o Senhor? De fato, vós bebereis do meu cálice (Mt 20,23), e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado (Mc 10,39). Grandes são os bens que lhes anuncia, a saber: “Sereis dignos de receber o martírio e sofrereis comigo; terminareis a vida com morte violenta e assim participareis da minha paixão”. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. Meu Pai é quem dará esses lugares àqueles para os quais ele os preparou (Mt 20,23). Somente depois de lhes ter levantado os ânimos e de tê-los tornado capazes de superar a tristeza é que corrigiu o pedido que fizeram.
Então os outros dez discípulos ficaram irritados contra os dois irmãos (Mt 20,24). Vedes como todos eles eram imperfeitos, tanto os que tentavam ficar acima dos outros, como os dez que tinham inveja dos dois? Mas, como já tive ocasião de dizer, observai-os mais tarde e vereis como estão livres de todos esses sentimentos. Prestai atenção como o mesmo apóstolo João, que se adianta agora por este motivo, cederá sempre o primeiro lugar a Pedro, quer para usar da palavra,quer para fazer milagres, conforme se lê nos Atos dos Apóstolos. Tiago, porém, não viveu muito mais tempo. Desde o princípio, pondo de parte toda aspiração humana, elevou-se a tão grande santidade que
bem depressa recebeu a coroa do martírio."

Que a nossa boca seja de ouro, capaz de comunicar aos homens a esperança e a paz para este mundo, que a nossa boca seja denunciadora do mal para poder construir o bem, que a nossa boca seja protectora daqueles e daquelas que são marginalizados e excluídos socialmente.

Que, por intercessão de São João Crisóstomo, o Senhor nos conceda este amor à Palavra de Deus para que sejamos capazes de a traduzir aos Homens deste tempo!

Pax Christi!

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