Lei completa e libertadora

«Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; 
nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. 
Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo. 
A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».»
cf. Mateus 5,17-37.  

Jesus utiliza, não raras vezes certas imagens paradoxais. As que utiliza no Evangelho deste domingo são isso mesmo. Ainda que a temática central do Evangelho seja a JUSTIÇA, Jesus socorre-se de quatro momentos:
Jesus na Sinagoga, iluminura

  1. Jesus explica-se: «Não vim revogar a Lei (Torah), nem os Profetas (Nebî'îm), mas completá-los». Jesus não quer fazer uma nova lei, mas que aquela lei seja actualizada e vivida de uma outra maneira, à luz da caridade e não ao modo farisaico, ou fundamentalista, diríamos hoje. 
  2. Jesus apela à reconciliação, evitando julgamentos no Sinédrio, evitando que a justiça humana tenha de ser posta em prática. Assim, a atitude de perdão deve proceder do próprio: «Se ao ofereceres a tua oferenda, te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, vai primeiro reconciliar-te».
  3. Jesus fala do escândalo. Sabemos que não há pior coisa que o escândalo. Aproveitando o tem ado adultério, Jesus fala da ocasião de escândalo que não deve acontecer na vida de ninguém. Por isso, usa aquelas imagens extremas do «arrancar». Não é um arrancar físico - ainda que Orígenes e outros o tenham interpretado assim - mas um arrancar interior, i.e, deitar fora tudo o quye não é necessário para a nossa vida. Hoje poderíamos dizer: «Se a tua inveja é motivo de escândalo, deita-a fora» ou «Se o teu dinheiro é para ti motivo de escândalo, dá-o aos pobres».
  4. Jesus chama à atenção para o juramento. Antigamente, muitos dos contratos no passado não necessitavam de estarem escritos, dava-se muita importância à palavra. Hoje, tudo precisa ser escrito, autenticado, selado se não já não vale. Os cristãos têm de ser homens e mulheres de palavra, o tal «Sim, sim; não, não».
Posto isto, devemos concluir que Jesus faz referência que a lei deve estar enraizada no nosso coração, uma lei que é feita com base na justiça e na caridade, não uma lei que oprime, que escraviza, que é impositiva, que não traz dignidade ao homem. A justiça deve ser o primeiro princípio humano de toda e qualquer vida: como seria bom um mundo com justiça!

A lei deve levar o Homem à vida e não à morte, por isso, toda a lei que não tenha em vista o bem e a vida é má e causa mal ao mundo, tal como se escreve nas constituições dos estados e dos direitos humanos:«O primeiro e mais elementar dos direitos humanos é o direito à vida. Nem o Estado nem ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, de decidir quem vai viver e quem vai morrer.»

Por exemplo, a lei da eutanásia - tão discutida estes dias - que afirma querer dar uma «morte digna», como se a morte sem eutanásia não fosse digna. Devíamos, isso sim, criar estruturas e leis para dar uma vida digna e justa, uma vida em que as pessoas não precisassem de dormir na rua, uma vida em que os filhos tivessem apoios para estudar, uma vida em que os pais pudessem viver com o que comer, com o que vestir, uma vida em que as pessoas tivessem acesso aos tratamentos de saúde necessários... isso sim, seria criar uma vida digna, uma vida justa. 

Reconciliar-se com a vida é o primeiro momento para uma vida digna, uma vida de palavra que preze a vida, a caridade e a justiça. Ser Homens de palavra, implica ser justos, ter esta justiça no coração e, mais importante que teorizar esta justiça, temos de a praticar e não ser como os fariseus daquele tempo que «diziam e não faziam» (Mt 23,3). O cristão deve dizer e fazer, deve mostrar por obras o que diz em palavras: uma coisa sem a outra não vale a pena! 

Por isso, deixemos que a virtude da Justiça guie e oriente a nossa vida, para que sendo fiéis à Lei, aos Profetas e a Jesus, possamos levar dignidade e vida aos outros, em palavras e em obras. Não sejamos estéreis, mas terreno fértil. 

Bom domingo!

Comentários