Esperança e Confiança


«Elí, Elí, lama sabactani?»
«ηλι ηλι λαμα σαβαχθανι» 
«Pai, em tuas mãos entrego meu espírito». 
«πατερ εις χειρας σου παραθησομαι το πνευμα μου»

Jesus é crucificado no «lugar do crânio». Segundo algumas tradições este foi o lugar onde terá sido sepultado Adão. Por isso, Cristo - o novo Adão - morre neste lugar para dar vida ao novo Adão que é Ele mesmo. 

A Cruz é, por isso, sinal da obediência filial. É na Cruz - no lugar e no tempo da prova - que Jesus mostra este amor elevado ao extremo, ao mais alto nível. Obviamente que Cristo poder-se-ia ter livrado da Cruz, mas obedecendo ao Pai que o enviou por amor permaneceu ali, no alto da Cruz. 

E eis que do alto da Cruz a voz de Jesus rompe com todo o silêncio a que nos habituamos durante a Sua Paixão. Este grito é entendido sob muitos pontos de vista: alguns dizem que é um grito de desespero, outros afirmam que é um grito de confiança, outros, ainda, defendem que Jesus orava no alto da Cruz. 

Eu penso que este grito é um grito profético. Claro está que o Evangelista não gravou, como hoje nós faríamos, um video com tudo o que Jesus falou, mas limitou-se a escrever a primeira frase do Salmo 22. Atentemos em algumas partes deste salmo:

1. Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
É um salmo atribuído ao Rei David que, naquele tempo, viu-se envolvido em guerras e confessa a Deus, lamentando-se, porque se sente abandonado. Mas, para mim, esta não é a frase mais importante. 

2. Rodeiam-me touros em manada; cercam-me touros ferozes de Basã. Abrem as suas fauces contra mim, como leão que despedaça e ruge. Fui derramado como a água. 
É a situação do salmista, é aquilo que o rodeia. Parece que a sua vida acabaou. Não há esperança, não há paz, não há felicidade. A sua vida acabou, como um rio que secou. Transporta-me imediatamente para a Cruz, onde Jesus exclama: «Tenho sede!» (Jo. 19, 34). 

3. Matilhas de cães me rodearam, envolvido por um bando de malfeitores.
O termo CÃES era usado para denominar os inimigos, os estrangeiros, aqueles que não faziam parte do Povo Escolhido. Mais uma vez sou transportado para a Cruz de Jesus e vejo tantos inimigos que lhe procuram tirar a vida apenas e só porque passou a vida a fazer o bem.

4. Trespassaram as minhas mãos e os meus pés: posso contar todos os meus ossos.
Imediatamente, ao ler este versículo, somos colocados diante do crucifixo. Vemos Jesus trespassado pela lança do soldado, com as mãos e pés cravados naquele madeiro. Nem um osso lhe será quebrado, mas os ossos são visíveis com todas aquelas chagas e feridas, resultado de um violento caminho e de grande padecimento. 

5. Eles olham para mim cheios de espanto!
Um outro salmo diz «Hão-de olhar para aquele que trespassaram». E ligamos este versículo à confissão do centurião: «Este é verdadeiramente o Filho de Deus». O espanto e surpresa daquele que o confessa Filho de Deus, um daqueles que não acreditavam, um gentio, um estrangeiro, mas é esse mesmo que o confessa Filho de Deus.

6. Repartiram entre si as minhas vestes e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Pouco antes da morte de Jesus, os soldados repartem as vestes de Jesus (cf. Mt. 27, 35; Mc. 15, 24; Lc. 23, 34 e Jo. 19, 23-24). 

Não foi um grito de desespero, mas uma lembrança profética, um recordar o que de si diz a Escritura, tal como fez com os discípulos de Emaús (Lc. 24, 13-35). 

Mas, logo depois deste grito, Jesus entrega-se totalmente. Não só o seu corpo, não só a sua alma, mas o seu espírito, tudo é entregue, tudo é dado, tudo é dom. Jesus soube dar-se totalmente, todo o seu ser, toda a sua vida foi entregue nas mãos do pai, com aquele clamor e com voz forte: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito». 

Fazer da vida um dom não é para todos. Só aqueles que obedecem a Deus é que são capazes de tal entrega, de tal dádiva. Porém, a todos é pedido o mesmo: a entrega confiante! Não uma entrega de horas, de meses, de anos, mas de toda a vida. 

Vivemos num tempo em que o compromisso é uma coisa quase que impossível. Há o medo de falhar, há o medo de se arrepender, há o medo de querer voltar atrás, enfim... tantos medos! É difícil fazer um compromisso para toda a vida, é difícil pensar que há que lutar com todas as forças para se ser fiel... 

Como voltar a confiar? Como voltar a ter ânimo para nos comprometermos? Como acreditar que é possível fazer um compromisso para toda a vida e assim ser feliz?

Penso que seja pela entrega total, pelo «lançar-se de cabeça», pelo arriscar. O pecado é a busca de uma auto-segurança, é uma procura de um pseudo-conforto, de se sentir dono e senhor da sua própria vida. Por outro lado, a graça de Deus é a capacidade de arriscar e de avançar na vida, dando-a, entregando-a, libertando-a. 

Temos o exemplo, façamos nós também.

Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!

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