Pre-conceito

Mais uma vez, fui vencido pelo pre-conceito, isto é, de julgar sem ver e sem experimentar... má atitude, bem eu sei!

Quando o então Cardeal Ratzinger veio a Fátima - isto foi contado por um dos organizadores da dita visita - houve um engano e teve de se atrasar a viagem de regresso a Roma. Todos estavam com medo falar com o Cardeal porque tinha fama de um homem muito rigoroso e cumpridor dos seus compromissos. 
Coube a este padre que me contou a história ir avisar-lo. Com receio do que podia acontecer, apenas com o facto de que Ratzinger era muito exigente. Mas lá foi...
-'Senhor Cardeal - disse ele - tenho uma notícia para lhe dar, não sei se é do seu agrado. Vai ter que ficar mais um dia em Fátima porque houve um erro e marcou-se mal a viagem'.
Ele respondeu: - 'Ainda bem! Estava mesmo a precisar de mais um dia cá para poder digerir o que aqui vivi'. 

Esta história vem a propósito da minha experiência, no passado sábado. Precisei de um tempo para digerir o que vivi...

Fui visitar um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, onde muita coisa se passa (coisas más, claro está!). Estão, naquele bairro, as Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário que fazem um excelente trabalho em favor da gente que lá vive. Louvores sejam dados às irmãs, até porque se nota que aquela gente gosta delas...

Quando me convidaram para lá ir rezar o terço, eu aceitei. Mas só depois é que me pus a pensar no que me iria meter, mas palavra dada é palavra cumprida e lá preparei o terço, tal como me pediram: simples, breve e profundo.

Lá fui até ao bairro, mas cheio de preconceitos. Quando saí do autocarro e fui a casa das irmãs - que me acolheram muito bem - o preconceito aumentou. Elas diziam: hoje é o dia mais difícil... vamos à zona mais complicada do bairro... Temeroso, mas lá fui!


Quando lá chegamos... que acolhimento maravilhoso! Fomos entrando pelas ruelas apertadas, passando pelas zonas difíceis, mas todos com sorriso na cara e com grande alegria, saudavam-nos, paravam, tiravam o chapéu...

Mas bem. chegamos ao sítio onde íamos rezar o terço. Três coisas que me tocaram: os beijinhos iniciais, a simplicidade de quem nos recebe e, sobretudo, a alegria com que o fazem! Admirável...

Rezamos o terço pela Igreja, pelo Papa, pelas crianças abandonadas, pelos refugiados, pelos que sofrem, pelos jovens que se desviaram do bom caminho... etc! Tantas intenções? Como diria um frei aqui de casa: «São muitas, mas Deus não se atrapalha!».

No final, a dona da casa fez um pequeno discurso em que agradeceu a presença das irmãs no bairro, a presença de todos aqueles e aquelas que se juntaram para rezar o terço e para ouvir falar de Deus. A pequena sala encheu-se de convivas que, a pouco e pouco, iam chegando e eu só me lembrava da frase do Evangelho que diz: «Ide, pois, às esquinas das ruas e convidai para as bodas todas as pessoas que encontrardes. E, assim, os servos saíram pelas estradas e reuniram todos quantos puderam encontrar, gente boa e pessoas más, e a sala do banquete das bodas ficou repleta de convidados.». 

E, depois do alimento espiritual, seguiu-se o alimento corporal porque a dona da casa nos presenteou com um delicioso Bolo Mármore, enquanto íamos falando uns com os outros e brincando com as crianças que também lá apareceram.

À volta ainda deu tempo para falar com as pessoas que às portas nos cumprimentavam, alguns doentes e ainda alguns jovens que por lá andavam...

Mais uma vez o preconceito venceu, mas foi derrotado pela experiência do encontro pessoal com as pessoas. O mesmo tinha acontecido com os nossos amigos sem-abrigo, na João13...

Que belas lições de simplicidade e de alegria... 

Muito agradeço às Irmãs que me convidaram e aos moradores do bairro que me acolheram tão bem!

Pax Christi!


Nota: Não refiro o nome do bairro, nem das pessoas, nem tão-pouco a imagem reproduzida é do dito bairro. Não é um artigo sobre o bairro, mas sobre a minha experiência lá.

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