Reza ao Pai em segredo...

Não poucas vezes o Cristianismo e, muito particularmente, o Catolicismo cai na tentação de ser algo exterior, algo que partilhamos, algo que frequentamos e no qual fazemos o «social» e, quanto mais bonito e demorado for, melhor!!!

Lembro-me de relatos de quando o Papa Bento XVI foi ao Porto, durante todo o corrupio que foi a preparação da celebração - cujo resultado foi maravilhoso, verdade seja dita! - não houve tempo para a preparação interior, tudo se resumia a coisas que tinham de sair bem. O Mestre de Cerimónias do Papa, a determinada altura, chama os acólitos - ou fâmulos, como se diz no Porto - e diz: «Tudo está ensaiado, esqueçam todas essas coisas e concentrem-se no mais importante que é a celebração da Eucaristia». 

A exterioridade da nossa fé não pode ser uma caixa vazia! Muito bonita, muito bem enfeitada, mas sem conteúdo... 

É sobre isto que Jesus fala no Evangelho: a necessidade da vida interior!

Quando era mais pequeno, a minha avó Rosa tinha um pequeno catecismo, que guardava religiosamente e envolvido num lenço. De vez em quando, deixava-me ler e passar os olhos por ele e pedia-me para ler (visto que ela não sabia ler). Creio que, mesmo não indo à catequese, aqueles momentos foram o meu primeiro contacto com a fé. 

Nesse pequenino livro, tinha imagens e uma delas era um menino a rezar aos pés da cama, precisamente com a frase do Evangelho de hoje:


Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, 
porque eles gostam de orar de pé, 
nas sinagogas e nas esquinas das ruas, 
para serem vistos pelos homens. 
Em verdade vos digo: 
já receberam a sua recompensa. 
Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto,
 fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; 
e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 

Mas, então, Jesus diz para não rezarmos em comunidade, mas em segredo? Não!!! Apenas nos alerta que para a nossa oração ser verdadeira e cheia de vida, tem de começar no oculto, no silêncio, no encontro pessoal com Cristo. 

O Papa Francisco, recentemente, comentando o Livro dos Reis, disse que há semelhança do Profeta Elias, temos de saber discernir o fio de silêncio sonoro e afirmou: «Sair para colocar-se à escuta de Deus, mas como ter certeza de que é Ele que fala? Francisco levantou esse questionamento e explicou que o trecho do Livro dos Reis é eloquente nesse ponto. Elias foi convidado pelo anjo para sair da caverna no Monte Horeb, onde encontrou abrigo para estar na “presença” de Deus. No entanto, não foi nem o vento forte que quebra as rochas nem o terremoto, nem o fogo que o fizeram sair.
“Muito ruído, muita majestade, muito movimento e o Senhor não estava ali. ‘E depois do fogo, o sussurro de uma brisa suave’ ou, como está no original, ‘o fio de um silêncio sonoro’. E ali estava o Senhor. Para encontrar o Senhor, é preciso entrar em nós mesmos e sentir aquele ‘fio de um silêncio sonoro’ e Ele nos fala ali”.»

Nós, os dominicanos, temos, a reserva da clausura. Obviamente que não é a clausura monástica, mas a conventual. Os nossos conventos são lugares de silêncio (geralmente, não há grandes barulhos, a não ser que eu ponha música e deixe a porta aberta! Pode acontecer!!!), em que há ambiente para o estudo, para a oração, para a contemplação. Aqui há tempos encontrei num livro que li - não me recordo qual - que o quarto do frade é semelhante a um oratório. Nele se descansa, nele se estuda, nele se contempla, nele se reza! Pois assim tem de ser... 

Também São Domingos, segundo as fontes, retirava-se para rezar em silêncio e fazia longas vigílias na Igreja, chorando e gritando: «Senhor, que será dos pobres pecadores?». Também ele encontrava, nessas longas horas de oração, Jesus a quem rezava, longe da vista dos irmãos, embora fosse espiado desde uma janela. Todos os grandes santos eram homens de silêncio e, sobretudo, homens e mulheres de escuta atenta...

Cuidemos, então do conteúdo da caixa que nós somos para não cairmos na tentação de uma religião de exterioridade, do bem-fazer, do social. A nossa religião tem de partir do nosso interior bem estruturado que, só é possível mediante o encontro pessoal com Jesus, no silêncio, na oração. Inspirados pelos grandes exemplos de santidade, aspiremos a esta relação próxima e constante com Cristo. Cuidemos isso...

Pax Christi!

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