Ancorar a vida

Mas, se tu de madrugada buscares a Deus, e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia;
Se fores puro e recto, certamente logo despertará por ti, e restaurará a morada da tua justiça.
Eis que Deus não rejeitará ao recto; nem toma pela mão aos malfeitores;
Até que de riso te encha a boca, e os teus lábios de júbilo.
Os que te odeiam se vestirão de confusão, e a tenda dos ímpios não existirá mais.
cf. Job 8
Como o prometido é devido, hoje voltamos ao nosso companheiro de Quaresma, Job. 

Resumo o que para trás ficou:
  1. Cap. 6: Job tece queixas contra os amigos, fazendo-lhes acusações. Com isto podemos ver que as correcções dos amigos são boas, mas nem sempre aceites. Temos dificuldades, tantas vezes, em aceitar o bem que o outro nos quer, porque a sinceridade fere muitas vezes. Quando nos centramos demasiado em nós mesmos, não somos capazes de abrir o coração para a correcção e achamos sempre que o outro está contra nós, mesmo que ele nos corrija para o bem.
  2. Cap. 7: Neste capítulo, o hagiógrafo faz uma bela reflexão sobre a vida do homem, mas uma vida trespassada pelo sofrimento e pela tristeza que o sofrimento provoca. Dele saem expressões como «A vida do homem sobre a terra, não é ela uma luta?» (Jb 7, 1), «Lembra-te de que a minha vida é um sopro (ruah), e os meus olhos não voltarão a ver a felicidade (no hebraico Tôv, que quer dizer bem)?» (Jb 7, 7) e «Como nuvem que passa e desaparece, assim o que desce ao sepulcro (sheol, em hebraico, que é a Mansão dos Mortos) não se erguerá»(Jb 7, 9).
Hoje entramos no capítulo 8 [temos de avançar na reflexão, pois são 42 capítulos e deveria ser um capítulo por dia], que é mais um discurso de um amigo, Bildad. É um discurso paradoxal que condena o pecado dos outros mas, ao mesmo tempo, é uma exortação à confiança em Deus, com a certeza de que ele não abandona os que a ele se confiam.

Ao mesmo tempo que diz: «Se os teus filhos pecaram contra Ele, Ele entregou-os à sua iniquidade», diz também: «Mas, se recorreres a Deus [...] Ele velará sobre ti».

Bildad condena os ímpios, entrega-os ao mal e não tem presente que Deus é um Deus de misericórdia e de ternura. Mais tarde, Deus irá condenar este modo de falar dos amigos de Job e há-de recompensar Job (mas isso são cenas dos próximos capítulos).

Mas, tiremos o melhor partido possível do texto e reflictamos sobre o que Bildad diz bem de Deus. Este personagem apela à fidelidade de Job a Deus, isto é, lança um apelo para que Job lance a âncora da sua vida para Deus, que Job agarre a mão de Deus com confiança.Essa é a melhor lição que podemos retirar deste capítulo, ainda que Job no capítulo 9 vá confrontar com Deus.

Ancorar a vida em Deus, é perceber que Ele está lá sempre e em todo o momento, mesmo naqueles em que nos afastamos, mesmo naqueles momentos em que não damos ouvidos à Sua voz. Tal como um pai. 

Lembro-me de um episódio da minha infância: Estava eu a saltar no sofá, mesmo depois dos meus pais terem dito para não o fazer. E continuei a saltar no sofá, todo divertido e os meus pais na cozinha. A certa altura, desequilibrei-me e a queda era certa... mas o meu pai - como já sabia o que ia acontecer - rapidamente me agarrou pela camisola e não caí. Assim é Deus... Quando estamos a cair, ele agarra-nos com mão forte e nada nos acontece.

O frei Mourão adaptou um hino que cantamos aqui no convento e escreveu nele: «Deus de Combate e de Ternura». Sempre que o ouvia não entendia o que ele queria dizer com aquilo. Depois de meditado e tantas vezes cantado, pensado e adaptado à vida, sei o que significa: Deus é um Deus que nos desinstala, nos faz lutar na vida (Deus de Combate), mas ao mesmo tempo é o Deus que nos agarra na queda e - recorrendo àquela imagem famosa - dá o beijinho na ferida, isto é, acaricia e alenta (Deus de Ternura). 

Nós já fizemos a experiência, certamente, de ter de dar alento a um amigo, de fazer com que ele não desista deste ou daquele projecto. Se não o fizemos nós, alguém o fez connosco. 

Mas, mais importante que isso é pensarmos como ajudamos os amigos? Que palavras damos aos amigos? Alentamos verdadeiramente os nossos amigos, ou aqueles que amamos?
Meditemos nisto...

Ainda a propósito dos amigos ou dos que amamos: ontem, quando regressávamos a vigília, vinhamos a ouvir uns cânticos de Taizé no carro e apareceu um cântico que dizia: Il n’est pas de plus grand amour que de donner sa vie pour ceux qu'on aime (Não há maior amor do que dar a vida pelos que se ama), que é diferente dos amigos que falamos. Podemos não ser amigos, mas podemos amar os outros. É esse o desafio...

Quem ama é capaz de alentar, de dizer palavras sábias, de animar e de caminhar ao lado do que sofre... mais, é amando que mostramos o rosto deste Deus de Ternura àquele que precisa e, assim, agarrar a mão de Deus e saber que Ele não a largará. Sejamos, como diz o Papa Francisco, testemunhas da bondade e da ternura de Deus no nosso Mundo...

Pax Christi!

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