Fidelidade diante da provação

«Saí nu do ventre de minha mãe e nu para lá voltarei. 
O Senhor deu, o Senhor tirou: 
bendito seja o nome do Senhor»
Job 1, 13-22

Como dizia ontem, este diálogo entre Deus e Satan vão originar duas grandes provações pelas quais Job terá de passar. Deus, porque confiava em Job, permitiu que Job fosse tentado por Satan.

Satan começou por uma coisa que, hoje em dia, é essencial: os bens! Imaginem que o nosso frigorífico avariava, que o nosso tablet/pc/iPad deixava de funcionar, que o nosso telemóvel explodia, que o nosso carro avariava, enfim... seria o caos. Pois o acusador foi directamente aos bens que Job cuidava e possuía: as suas ovelhas, mataram os seus empregados, roubaram os camelos... já isto era um infortúnio muito grande! Mas Satan, mandou um furacão que destruiu a casa dos seus filhos e, por isso, os matou. Oh grande tristeza! Não bastava todos os seus bens, como também os seus filhos. Que dor tão grande deve ter sentido Job naquele momento.

Isto seria digno de um filme, de uma tragédia, de um drama... perdeu tudo, mesmo os seus filhos...
Job facilmente é encarado como o personagem do sofrimento - com este cenário não será difícil perceber porquê -, o personagem do sofrimento injusto ou inocente. Tinha tudo para que a vida lhe corresse bem e, de repente, fica o vazio, a calamidade, a dor, a perda.

Quando lia este texto perguntava-me: o que terá passado pela cabeça daquele homem? Que sentimentos? Angústia? Desespero? Tristeza? Raiva? Incompreensão? Ou aquela confiança que Job tinha em Deus o terá feito pensar de outro modo? E continuava eu a pensar: e se fosse comigo? Que teria eu feito?

Lembrei-me de tantos casos que conheço, por exemplo, uma mãe que perdeu 2 filhos e o marido num acidente; um homem que viu as suas filhas e esposa morrerem, etc etc... que passaria na cabeça destas pessoas? Ter-se-ão revoltado contra Deus?

De Job ficam-nos quase sempre as perguntas e se o texto não faz perguntas, essas mesmas perguntas ficam na nossa imaginação.

Mas a pergunta que quero deixar hoje é: Como é a nossa confiança em Deus? Como é a minha relação com Deus? É uma relação de negócios, ou seja, enquanto Ele me concede o que eu quero, estamos bem; se ele deixar de me beneficiar, volto-lhe as costas?

Mas não, a atitude de Job não foi a do abandono de Deus, nem o afastamento. Job respondeu com fidelidade à provação. Esta fidelidade parece-nos algo paradoxal neste momento. Nestes dois versículos, Job responde à primeira provação. Sem deixar de fazer o luto, figurado nesta imagem do «rasgar das vestes e do rapar a cabeça», Job não se deixa levar pela raiva. A atitude de Job em aceitar o destino é uma atitude quase perfeita, quase in-humana, quase celestial.

A resposta de Job evoca uma dupla maternidade: a humana (ventre da minha mãe) e a que diz respeito à escatologia (para lá voltarei). Toca portanto as duas dimensões da vida humana que são dois pólos: vida e morte!

A nossa vida anda entre estes dois pólos, dizem alguns, eu prefiro dizer que anda entre três, que expresso do seguinte modo: Viver para Morrer e Morrer para VIVER. É este o ciclo da vida que Job entende e, por isso, não se chateia nem volta as costas a Deus, antes aceita a sua vontade.

Mediante este texto, proponho a seguinte reflexão: Que lutos tenho eu que fazer para poder aceitar a vontade de Deus? Qual a minha atitude perante o sofrimento? Mesmo no sofrimento, sou fiel a Deus?
Claro que o autor sagrado quis reforçar, de certo modo, esta ideia de uma fidelidade plena - à semelhança de Abraão -, mas que é uma atitude a cuidar. Muitas vezes, perante as adversidades e contrariedades da vida, colocamos Deus de parte, 'amuamos' com Deus por nos ter mandado este ou aquele momento de sofrimento. A fidelidade que devemos ter a Cristo é a fidelidade quotidiana, que se constrói a pouco e pouco.

Job fez esse caminho, essa fidelidade quotidiana, esse caminhar fielmente na lei do Senhor e, por isso, a consequência disso é este grande acto de fidelidade diante da provação.

Que este tempo de quaresma, seja um tempo de luto, um tempo em que fazemos luto das nossas infidelidades a Deus e, reconciliados com Deus, abraçamos a fidelidade do dia-a-dia, de cada momento e de cada hora para podermos ser fiéis.

Como diria Jesus: «Porque foste fiel no pouco, muito te será confiado» (Mt. 25, 22).

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