Sofrimento e Escuta

«Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal; ele persevera na sua integridade, apesar de teres incitado contra ele para o aniquilar sem motivo.»
cf. Job 2, 1 - 13

Mais uma vez se reúne esta corte celestial, com todos os anjos e Satan. A pergunta que Deus coloca a Satan faz-nos recuar a Génesis 4, onde o Senhor pergunta a Abel: «Onde está o teu irmão?» e «Que fizeste?». 

Satan responde que vem de dar um passeio pela terra, depois de ter mandado sobre Job a terrível provação, mantendo-se Job fiel. Mais uma vez, Deus gloria-se do seu servo Job e apresenta-o como modelo de fidelidade a Satan. Mas o Acusador retorquiu ao dizer que este castigo não é suficiente para que Job maldiga a Deus e propõe-lhe uma nova provação: «Pele por pele», mas Deus recorda que a sua vida tem de ser poupada. 

Satan saiu da presença de Deus e feriu Job com uma úlcera maligna (lepra) [...]
Disse-lhe, então, a sua mulher: 
«Ainda continuas aí agarrado à tua integridade? Maldiz a Deus e morre»
Respondeu-lhe Job: 
«Falas como uma mulher néscia. 
Se recebemos de Deus os bens, porque não recebemos também os males? 

Uma vez mais somos chamados a recuar ao Livro do Génesis 3 e ao diálogo entre a Serpente e a mulher, bem como entre a mulher e Adão. Job é incitado pela mulher a maldizer a Deus e assim morreria, terminando com todo o sofrimento. 

Mas Job, personificação do homem sábio, confia na providência e aceita quer os bens, quer os males que vêm de Deus. Tudo vem de Deus e se Ele envia uma doença, há que aceita-la e confiar que Deus acompanha o desafortunado. Esta resposta confirma a sua fidelidade que, mesmo com uma doença grave, não se afastou de Deus, mesmo que todo aquele sofrimento pareça injusto. 

«Ainda de longe, levantaram os seus olhos, 
sem o reconhecer e começaram a chorar em grandes prantos, 
ao mesmo tempo que rasgavam as suas vestes e espalhavam pó sobre as suas cabeças. 
Estiveram sentados alí sete dias e sete noites e nenhum falou, vendo como era grande a sua dor»

Do livro de Job, muitas vezes apenas conhecemos estes amigos e usam-se muito para falar da amizade. De facto, estes amigos de Job tiveram uma atitude salutar ao aproximarem-se do seu amigo. Lembro que na cultura judaica quem fosse atingido pela lepra era afastado da comunidade e ninguém se podia aproximar. Mas estes amigos foram ao seu encontro e encontraram-no num estado lastimável, consumido pela doença e pelo sofrimento. 

Estes sete dias e sete noites é um ritual judaico que assinala o luto ou a penitência (ver também Lam. 2, 10; Gen. 50, 10; I Sam. 31, 13 e Eclo 22, 12). Por isso, compadecidos pela sua doença os seus amigos fazem penitência/luto por Job e não abriram a boca. 


Muitas vezes, o sofrimento que nos chega à vida, leva-nos ao desespero, ao isolamento, a pensar que já não há saída, que não faz sentido a vida. Muitas vezes, as contrariedades da vida leva-nos a um afastamento de Deus e da comunidade. Por exemplo, um casal divorciado que é olhado de lado pelos outros, uma mãe solteira que tudo faz para cuidar do seu filho ou uma mulher obrigada a prostituir-se... estes casos levam ao afastamento do mundo em que se inserem, a tornarem-se cada vez mais distantes, cada vez mais afastados até que se corta definitivamente com tudo e aí vem a solidão e o desespero. 

Como disse há uns dias atrás, o cristão tem de ser cuidador da vida, isto é, cuidar do outro, amar o outro, mesmo apesar dos seus erros e das suas enfermidades. Neste sentido, penso que temos de ser ao mesmo tempo Job e os seus amigos. 

Ou seja, temos que aceitar o bom e o mau que Deus nos manda e encará-lo como uma oportunidade de encontro, de experiência, mas nunca, NUNCA, de isolamento ou afastamento. Mas, temos que ser como estes amigos de Job que, vendo a desgraça destes nossos irmãos, aproximamo-nos, sentamos, escutamos e acolhemos a sua vida, procurando entender - SEM JULGAR - toda a sua situação e sofrimento. Não deixemos que a nossa vida 'SANTA', muitas vezes aparente, se intrometa na nossa capacidade de escutar o irmão, de o acolher e de o compreender. 

Conheço tantos casos de religiosos e religiosas, clérigos e leigos que se dedicaram à escuta do sofrimento do outro, que trabalharam com sem-abrigo, com prostitutas, com traficantes na prisão, com crianças delinquentes, com crianças maltratadas. 

Para terminar, partilho um pouco da minha experiência: 
Trabalhei com a João 13 e comecei com pre-conceitos (eram mal educados, desagradáveis, revoltados, embriagados) e a pouco e pouco todos estes pre-conceitos se desvaneceram e encontrei naqueles amigos situações, casos, momentos de profundo sofrimento, quantas vezes inocente. 
Agora, desenvolvo um trabalho semelhante com crianças e, mais uma vez, crianças tão pequenas mas que já passaram por situações horripilantes, tristes e dolorosas.
Qual a minha atitude? Escutar, acolher, perceber, falar... não há coisa mais bela!

Que Deus nos ajude a estimular a nossa capacidade de escuta e de acolhimento, de encontro e de contacto com estas situações de sofrimento inocente e, certamente, o nosso Pai «que vê no segredo nos dará a recompensa» (Mt. 6). E porque não inscrever-se como voluntário numa instituição? Fica a dica...

Pax Christi


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