Se conhecesses...

«Se conhecesses o dom de Deus e 
quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, 
tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
cf. João 4,5-42

Hoje lemos umas das páginas que mais gosto de todo o Novo Testamento: o episódio da Samaritana. Assim, proponho-me, neste Domingo III da Quaresma, a reflectir com São João sobre este episódio. 

  1. «Tinha de atravessar a Samaria». Os samaritanos eram um povo não muito bem visto, considerado como pagão. É óbvio que todo o judeu que ia da Judeia para a Galileia contornava esta cidade. Mas o Evangelho é claro: Jesus tinha de atravessar. 
  2. «Então Jesus, cansado da viagem, sentou-se, sem mais, na beira do poço». Sempre entendi este versículo como um artificio que Jesus utiliza para esperar pela samaritana. Jesus tinha já na sua mente este diálogo, apenas ficou à espera.
  3. «Era por volta do meio-dia» O meio dia é uma hora simbólica. Reflecte a necessidade de descansar do peso do trabalho, da caminhada. É como um recuperar das forças. Porém, aqui, quer dizer mais: por causa do descanso a meio do dia, todos se retiram e ficam em suas casas, dado que o calor é muito àquela hora e naquela região. 
  4. «Entretanto, chegou uma certa mulher samaritana». Eis chegado o momento. A mulher que Jesus esperava chegou. Aqui começa o famoso diálogo com a Samaritana.
  • «Dá-me de beber». Jesus não inicia a conversa com uma saudação, mas com uma petição. Claro está, que Jesus não iria esperar muito mais tempo aliás, Jesus vai direito ao assunto: como poderia um judeu falar com uma samaritana?
  • «Senhor, dá-me dessa água, para eu não ter sede, nem ter de vir cá buscá-la». O problema da samaritana não era ter sede, o problema dela é ter que ir àquele poço buscar água. Porquê? Porque viria ela àquela hora do dia e debaixo daquele calor buscar água? Jesus vai directamente à ferida daquela mulher.
  • «Vai chamar o teu marido». Eis a chaga daquela mulher: a sua vida marital não era a mais bonita, dado que teve vários maridos. O facto mais importante é que ela reconhece que não tem marido. Jesus reconhece esta verdade: «Nisto falaste a verdade». 
  • «Mas chega a hora - e já é - em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade».  Estas temáticas são quase específicas e exclusivas de João. Temas como a HORA, ESPÍRITO, VERDADE. Estas marcas joaninas são um tipo de linguagem para falar do Messias. 
  • «Sou Eu, que estou a falar contigo». A mulher fica de tal modo admirada com aquilo que Jesus lhe diz que lhe fala da vinda do Messias, mas Jesus utiliza a forma de auto-afirmação messiânica (εγω ειμι = Egô Eimí = EU SOU).
Reflexão:
Muitas vezes, na nossa vida, também somos como a Samaritana do Evangelho. Fazemos mal, desviamo-nos do caminho de Deus e escondemo-nos de tudo e de todos. A nossa consciência do pecado e, por conseguinte, do afastamento são coisas que nos isolam, que nos tiram a vida. Jesus tinha consciência de que aquela mulher precisava de algo que lhe mudasse a vida, precisava de um encontro, um encontro com aquele que é a fonte da água viva. 

Mas, mais interessante é que a Samaritana só reconhece Jesus e o anuncia porque este lhe falou da sua vida 'oculta', apenas reconheceu Jesus porque este lhe «meteu o dedo na ferida». Mais ainda, é a partir deste encontro que Jesus que a mulher vence os medos e vai ao encontro da população que antes a condenava por causa da sua vida. 

Desenho: «O Poço de Jacob», autoria própria
O mais belo do perdão é o testemunho. Testemunhamos este abraço paterno e cheio de ternura de Deus, quando nos perdoa. Jesus não tem medo do pecado, antes o abraça e encoraja a que se esqueça o pecado. É este o grande dom de Deus: a graça e a misericórdia. 

É este dom de Deus que somos chamados a experimentar, num encontro muito intimo e personalizado em que Jesus põe o dedo nas nossas feridas e assim cura-as e dá-nos de novo a vida. Geralmente, quando nos magoamos, temos medo que nos toquem, mas quando a nossa ferida é pecado, então deixemos Jesus tocar, meter o dedo na 'chaga' porque o seu toque cura e protege. 

O nosso passado - sim, todos temos um passado - pouco importa a Deus, Ele apenas perdoa e ama. O que importa é que o presente seja correctivo e que nos ajude a construir um futuro nos caminhos de Deus. 

Experimentemos este DOM DE DEUS e aproveitemos o hoje da nossa vida para deixar tudo aquilo que não nos conduz a Deus e, assim, podermos ser testemunhas d'Ele. 

Bom domingo!

Deixo, aqui, o vídeo de «O Nazareno», com a cena da Samaritana, pelo frei Hermano da Câmara.




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