Cuidado com as palavras!

«Ensinaste tantos, confortaste tantas mãos frágeis.
Com a tua palavra amparaste os que vacilavam 
e fortaleceste os joelhos que se dobravam.
[...]
Pelo que sempre vi, os que maquinam a iniquidade 
e semeiam a desgraça, colhem o mesmo.
cf. Job 4, 1 - 11

Mediante o discurso de Job, no qual amaldiçoa o dia do seu nascimento, o seu amigo Elifaz, corrige-o, mas uma correcção que se pode dizer fraterna, dado que lhe pede permissão para fazer este juízo. 

Então corrige-o, mas fá-lo de um modo interessante, pois coloca-lhe questões ou pistas para a reflexão de Job. Este personagem bíblico tinha fama de ser um «sábio» e, por isso, várias pessoas iam ao seu encontro para lhe pedir conselhos ante as dificuldades da vida e Job tinha sempre palavras confortantes e cheias de alento para com essas pessoas. Quem sabe, Elifaz também não terá acorrido àqueles sábios conselhos, daí falar neles. 

O texto segue e Job não diz nem uma palavra. Talvez terá ficado embatocado, sem conseguir responder àquelas questões que lhe eram feitas. 

Nuns versículos mais à frente, Elifaz constata um facto no que diz respeito aos ímpios e aqueles «adeptos do mal» e que poderíamos traduzir naquele ditado português: «Na cama que farás, nela te deitarás», ou «Quem semeia ventos, colhe tempestades». 

Todos estes versículos apelam para a «praticidade» da vida. Estamos habituados a ver os problemas dos outros: é fácil dar conselhos, é fácil dizer que se tem de fazer isto ou aquilo, é fácil arranjar soluções para os problemas dos outros. Coisa mais difícil é ver os nossos problemas e arranjar soluções para eles. 

Um irmão costuma dizer que «de teorias anda o mundo cheio», isto é, de quem aponta soluções e tem sempre uma palavra para tudo, mas fica por aí, pelas palavras e não age. São teóricos... De facto, todos nós somos um pouco teóricos, pois vivemos no mundo das hipóteses, nunca contando que nos pode acontecer o mesmo ou ainda pior. 

«Na cama que farás, nela te deitarás», ou seja, é na «praticidade» da vida que conseguimos as soluções para os problemas, é a viver que se vive! Por muito que idealizemos a vida, que a teorizemos, de nada vala se não concretizamos aquilo que vivemos. Como dizem as gentes da minha terra: «É tudo muito lindo, mas quando não é com eles»"!

Apesar de toda a ironia usada por Elifaz para animar o seu amigo Job, o que ele quer dar a entender é que aqueles sábios conselhos que Job costumava dar (de fora, teóricos), tinha ele mesmo de os praticar. Só assim sairia daquela depressão e daquela tensão causada por aquela lepra. 

Pior que a lepra corporal é a lepra do coração, o pecado, as incertezas, as nossas limitações. A lepra do corpo desaparece, mas se não cuidarmos da lepra do coração, nem com a morte ficamos limpos. 

Este tempo da Quaresma é um tempo privilegiado para a cura das nossas lepras interiores, um tempo em que dedicamos à limpeza interior. Mas, sobretudo, e como dizia nos primeiros dias, é tempo de limar arestas, de polir a vida e, por isso, um bom exercício desta Quaresma seria procurar ter cuidado com as palavras: primeiro, para não ferir o outro, depois para que não nos venhamos a arrepender de ter dito esta ou outra palavra.

E pensemos que, antes de dizer alguma coisa, temos de nos perguntar: «Eu faria mesmo isso, na situação em que o outro se encontre?». Tenhamos cuidado para não sobrecarregarmos os outros, quando já estão com bastante peso. Aliviemos, isso sim, esse peso. Que os nossos conselhos passem das palavras aos actos e em vez de dizer: «Faz isto, faz aquilo...», digamos antes «Eu ajudo-te! Vamos fazer isto!».

Hoje, como conclusão, deixo uma oração que um frade do Brasil me mandou e que eu adaptei e rezo todos os dias ao levantar-me. Podem também adaptá-la às vossas necessidades e circunstâncias.

Senhor, 
neste dia que amanhece, 
antes de executar qualquer actividade 
e de me encontrar com os meus irmãos, 
quero aprender a louvar Teu Nome.

Eu sei que tropeço, muitas vezes, em palavras, 
por não encontrar as apropriadas no momento em que faço oração. 
e sinto-me atrapalhado, sem saber o que dizer.

Também sei que, durante as actividades do dia, 
muitas palavras vêm à minha boca 
eu digo-as sem pensar nas consequências que trarão aos meus irmãos, 
mesmo que eu não tivesse intenções de o fazer.

Peço-Te, Senhor, que me dês sabedoria, 
assim como destes ao Rei Salomão, em sonhos, 
para aprender a distinguir, neste dia, 
o que é bom e o que é mau
e, assim, viver segundo os teus mandamentos.

Senhor, 
eu vejo no olhar atravessado de alguns irmãos 
que eles não gostam de mim
e, por isso, fico triste e pesaroso.

Ajuda-me, Senhor, 
a olhar os meus irmãos com olhos de ternura, 
de gratidão e de amor. 
Senhor, afasta de mim o ódio, 
pois o ódio não deve acompanhar
aquele que se consagrou e é filho de Deus.

Amén.

Que não amaldiçoemos, mas que amemos e pratiquemos este amor que é dom.

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